Fonte: Estadão
Como é sabido, na última década o poder de compra do brasileiro esteve em alta, o que tornou favorável o crescimento do setor da construção civil no Brasil.
Tal desenvolvimento de nossa economia gerou o já conhecido “boom” do setor, tendo sido constante a construção de novos empreendimentos em todos os lugares do país. Contudo, em contrapartida, o mercado constatou ser deficitário de profissionais qualificados para atender à demanda dos novos empreendimentos que eram constantemente lançados, bem como acabou por praticar diversas falhas de planejamento e gestão dos empreendimentos que se propuseram a ofertar, gerando atrasos e variados transtornos de ordem jurídica.
Tudo isso, somado a crise atual que assola o País, fez com que diversas empresas do setor não suportassem o cenário negativo que impactou o mercado de forma extremamente relevante, fazendo com que construtoras e incorporadoras de pequeno, médio e grande portes se socorressem da Lei de Recuperação Judicial para conseguirem o alongamento de prazos para quitação de suas dívidas, cuja ferramenta é fundamental para a tentativa de equacionamento do patrimônio e equalização de empresas com dificuldades financeiras.
É neste cenário que se apresenta que incorre a seguinte dúvida: Como devem e que direitos possuem os promitentes compradores que anseiam pelo recebimento de seus imóveis?
A Lei 11.101/2005, Lei de Recuperação Judicial e Falências, prevê em seu artigo 49 § 3º que “proprietários fiduciários dos bens móveis e imóveis, de arrendamento mercantil, de proprietário ou proeminente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, que seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e que prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva”.
Diante disto, em estrita observação da Lei, a construtora ou incorporadora que se socorrer dos benefícios da Lei de Recuperação Judicial não poderá declarar como parte de seu conjunto patrimonial nenhuma das unidades de seus empreendimentos, mesmo em fase de construção, e que já estejam protegidas pelos contratos e compra e venda realizados com os promitentes compradores, visto que a estes se preserva o direito do então adquirente da unidade (promitente comprador).
Desta forma, ainda que o promitente comprador tenha adquirido sua unidade por meio de algum financiamento bancário ou mesmo na hipótese de quitação do bem, o crédito oriundo de sua unidade não poderá constar em nenhuma das categorias de credores da empresa em processo de Recuperação Judicial, tendo com esta apenas o contrato de compra e venda que deverá ser devidamente cumprido nos termos legais ajustados.
Ao término da obra e após o pagamento do saldo devedor, seja por recursos próprios ou mesmo por financiamento, os valores ingressos nestas ocasiões devem compor o caixa da empresa em Recuperação Judicial e serão fiscalizados pelo Administrador Judicial. O promitente comprador, por sua vez, deve tomar as providências para pagamento dos impostos devidos e registro do imóvel de forma que este passe a ter propriedade exclusiva sobre o bem após a expedição do chamado “habite-se”, entrega das unidades e demais procedimentos próprios nesta etapa.
No caso de a empresa Recuperanda noticiar o crédito do promitente comprador nos autos da Recuperação Judicial em razão da unidade então adquirida, caberá a este o ingresso imediato de uma ação judicial visando impugnar os termos apresentados com o afastamento imediato do bem (unidade) da declaração de patrimônio da empresa em Recuperação Judicial.
Para as situações que demandem o distrato contratual, após os termos ajustados o bem passa a ser da empresa em Recuperação Judicial e deverá ser listado entre os bens patrimoniais da empresa, dando ciência a todas as partes envolvidas na Recuperação Judicial.
Importante também destacar a Lei 10.931/2004, chamada de Lei das Incorporações, que trata da afetação que separa o patrimônio das construtoras do patrimônio dos empreendimentos, criando as sociedades de propósitos específicos (SPE). Estas empresas são criadas visando o isolar o patrimônio para o fim especifico e assim impedir qualquer risco externo financeiro a atividade.
Nesse sentido, importante destacar que em casos de pedido de Recuperação Judicial das construtoras ou incorporadoras, a estas não se aplicam os efeitos de tal instituto, devendo ser observada a legislação especifica para a mediação de quaisquer conflitos que possam vir a existir sobre os contratos.
Desta forma, mesmo que a empresa idealizadora da SPE venha a se tornar beneficiaria da Lei de Recuperação Judicial, tanto a própria SPE quanto os contratos firmados para seu proposito permanecem inatingíveis devendo seguir seus cursos naturais dentro da Lei de Incorporações.
Diante disto, conclui-se que o promitente comprador, por força do parágrafo 3º do artigo 49 da Lei. 11.101/2005, tem seu bem (unidade) protegido dos efeitos da Recuperação Judicial da construtora ou incorporadora, e para que tal direito seja assegurado recomenda-se ao promitente comprador especial atenção ao patrimônio declarado quando do fato do pedido de Recuperação Judicial da construtora ou incorporadora em que adquiriu seu patrimônio, ocasião em que a contratação de um profissional será de fundamental importância para a preservação de seus direitos.
Por outro lado, para a empresa em situação de Recuperação Judicial, recomenda-se especial atenção a estrita observância da Lei a fim de não incorrer em erro e vir a prejudicar não só seu cliente, como também o trâmite legal da Recuperação Judicial que acaba de se tornar beneficiária.