Especialista da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação analisa prós e contras de incentivo do BC a bancos privados para facilitar financiamento
Com a decisão anunciada pelo Banco Central (BC), os bancos privados ganharam um incentivo para financiar mais de 80% do valor do imóvel. Antes da mudança, os bancos que financiassem até esse percentual, nas operações enquadradas como de varejo, eram obrigados a deixar 75% do empréstimo parado no caixa como requerimento de capital. Para operações mais caras, não consideradas como de varejo, a exigência subia para 100% do valor. Assim, até o mutuário terminar de pagar o empréstimo, o banco não podia mexer nesse dinheiro.
Agora, o BC autorizou que, quando o cliente começar a pagar as parcelas e estiver devendo 80% do imóvel, o banco deixe apenas 35% do total do empréstimo imobilizado. Dessa forma, a instituição financeira terá mais dinheiro para conceder novos financiamentos. Com a decisão, os financiamentos de pelo menos 80% do valor do imóvel passarão a ter o mesmo tratamento das operações abaixo desse limite, que tinham requerimento de capital de 35%.
De acordo com o presidente da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), Lúcio Delfino, ao mesmo que o Governo Federal anuncia a diminuição dos recursos do FGTS destinados à habitação, o Banco Central tenta estimular os bancos privados a emprestarem mais. “De certa forma, com a decisão, o Governo Federal assume que tem dificuldades de operar recursos destinados à habitação e tenta transferir parte da carteira imobiliária para o setor privado”, avalia.
Um indício desta dificuldade é que, recentemente, a Caixa Econômica Federal divulgou balanço demonstrando que a inadimplência dos beneficiários da faixa um do programa Minha Casa Minha Vida chega a 25%, considerando os mutuários que possuem pelo menos três parcelas em atraso, com lembra Delfino. “É justamente a faixa de renda que possui maiores subsídios, na qual o FGTS aporta mais recursos.”
Diante disso, o advogado observa que as notícias devem ser analisadas por dois ângulos. Com relação à diminuição dos investimentos do FGTS, o anúncio é negativo, conforme Delfino. Isso porque, segundo ele, infelizmente, só o Governo Federal possui condições de atender à faixa de renda de pessoas que ganham até três salários mínimos, pois são financiamentos que dependem de subsídios. “Tratam-se de programas de cunho social, e não de empréstimos ligados ao sistema financeiro. Além disso, o corte de recursos acaba afetando a economia como um todo, já que, com menos dinheiro em caixa, menos unidades são construídas, esfriando ainda mais o setor da construção civil, que responde por parte considerável do PIB e dos empregos no país”, analisa.
Por outro lado, ele ressalta que é necessário melhorar a gestão dos recursos do Fundo de Garantia aplicados em programas de habitação popular, para que o Sistema Financeiro da Habitação não seja comprometido ainda mais. “Não se trata de falta de renda. Além das prestações baixas, o beneficiário do programa MCMV pode recorrer ao Fundo Garantidor em caso de perda de renda, deixando de pagar as prestações durante o período de revés financeiro. A questão é de gestão e cabe à Caixa Econômica Federal descascar esse abacaxi”, pontua.
Por outro lado, estimular a transferência de parte da carteira do sistema financeiro imobiliário ao setor privado é uma notícia positiva. Com tratam-se de financiamentos que, praticamente, não possuem subsídios, por isso mesmo, a concorrência é a melhor opção para diminuir a taxa de juros e as condições dos empréstimos. “Além disso, o financiamento imobiliário tem uma das menores taxas de risco de crédito, o que é bom para os bancos, e pode representar uma alternativa ao mercado imobiliário. Cabe ao candidato à casa própria pesquisar, negociar, e optar pelas condições que melhor atendam sua realidade financeira”, aconselha Delfino.