Fonte: DC

Entre o Rio Tavares e o Porto da Lagoa, no leste da Ilha, uma trilha de 20 minutos leva até a praia da Joaquina. Ela começa com uma mata fechada e segue pela restinga e dunas antes de chegar ao mar. Só que recentemente os moradores das sete servidões daquela região descobriram que desde 2014 corre na Justiça um processo de usucapião para esta área. Na prática, isso significa que o local pode ser ocupado e construções erguidas, se houver autorização.

Mais de 84 mil metros quadrados estão sendo contestados. A comunidade ficou sabendo da ação depois que apareceu um cartaz no começo da trilha informando a situação. O texto diz que caso a comunidade não se mobilize, “em breve, não teremos mais passagem para a praia, mas sim mais um condomínio irregular”.

Por isso, os moradores das servidões Quadros, Manoel Izidoro Augusto, Canarinhos, Manoel Saturnino de Quadros, Toca da Coruja, Cana da Índia, Estrela da Manhã e Rua Isidoro Garcez se uniram para manter aquele pedaço de Mata Atlântica como está.

Quem escreveu o texto do cartaz foi o professor de Educação Física Gustavo Werner Junior. Ele tem uma casa na extremidade da área e foi intimado a se manifestar no processo. O professor denuncia que o local foi alterado de Área de Preservação Permanente (APP) para Área Residencial Predominante nos primeiros 80 metros e Área de Preservação Limitada no restante.

— É muito estranho que um mês depois dessa mudança no Plano Diretor tenham entrado com esse processo de usucapião. Nunca teve ninguém ali cuidando desse local. Isso só é feito por nós da comunidade — garante o professor.

Ainda segundo Gustavo, os interessados na área se baseiam no pagamento de alguns títulos de IPTU, que confirmariam a ocupação do local. Mas no processo, o professor verificou que o imposto da área teve a matrícula cancelada na prefeitura.

A jornalista Daniela Vieira está mobilizando a comunidade contra a ocupação das dunas. Moradora da Servidão Quadros, ela denuncia que há dois meses houve um incêndio naquela área e suspeita de que tenha sido criminoso. Daniela e demais moradores organizaram um abaixo assinado e uma ação para encaminhar ao Ministério Público. Outros moradores colocaram diversas placas na trilha para a Joaquina orientando a comunidade a preservar o local.

— Precisamos do laudo de um biólogo relatando a realidade, e que sejamos representados pela associação de moradores junto à Promotoria do Meio Ambiente. Agora nos resta como tentativa de barrar essa decisão montar um estudo completo, demonstrando que ali é realmente uma APP. O problema é que um trabalho desses tem um custo elevado — explica a moradora.

Moradores fixaram placas com mensagens de preservação na trilha que vai para a praia da JoaquinaFoto: Felipe Carneiro / Agencia RBS

Família contesta a área

Vanildo José Ozelame é conhecido médico radiologista de Florianópolis, com mais de 80 anos. Ele, a ex-mulher e os filhos entraram com o processo de usucapião na Justiça. O advogado da família, Cláudio Schmidt Vieira, garante que Ozelame possui escritura de compra daquela área desde 1974.

— Essa escritura pública foi lavrada no cartório do centro da Lagoa da Conceição. Foi comprado de uma família que tinha muito mais terras naquela região. Naquela época, a medição era menos fidedigna do que com os equipamentos de hoje. Essa área está contida numa gleba maior que tem matrícula no registro de imóveis. Aquela região tem a maior parte com vegetação e dunas, mas tem pedaços com potencial construtivo — argumenta o advogado.

Conforme Vieira, a única intenção da família no momento é regularizar a área e, no momento, não há nenhum projeto de construção para lá. Sobre o suposto IPTU irregular, o advogado explica que houve um recadastramento na prefeitura e que o cadastro saiu da base de dados, mas assegura que o imposto foi pago durante muitos anos.

À respeito da mudança de APP para APL, Vieira afirma desconhecer a mudança de zoneamento e garante que não há nenhuma ingerência da família nesse processo. O advogado também afirma que não há conhecimento dos Ozelame sobre o incêndio ocorrido naquela área.

Quem está com esse processo é Haidée Denise Grin, juíza da Vara de Sucessões e Registros Públicos da Comarca da Capital. No momento, a ação aguarda parecer do Ministério Público.

Nada impede que campos de dunas sejam sujeitos à usucapião”, diz prefeitura

Conforme a Procuradoria Geral de Florianópolis, o imóvel que a família Ozelame pretende ocupar abrange um terreno de marinha, e por isso a competência seria da Justiça Federal. A área também alcança as dunas, que são tombadas pelo município.

“Sobre os campos de dunas, estes fazem parte do Distrito de Campeche e se encontram demarcados como Área de Preservação Permanente tanto no antigo plano diretor, como no atual. Os campos de dunas em referência foram considerados bens tombados como patrimônio natural e paisagístico do município”, argumentou a procuradora Marina Damasceno dos Santos no processo.

Ela explica que o tombamento não passa a propriedade para o poder público, apenas estabelece restrições para proteger o local. E que “sob esse prisma, nada impede que os campos de dunas sejam sujeitos à usucapião”.

Novo Plano Diretor não está valendo

Conforme a Fundação de Meio Ambiente de Florianópolis (Floram), as mudanças no Plano Diretor feitas pela Câmara de Vereadores, que reduziram Áreas de Preservação Permanente, não podem ser consideradas. Isso porque ele está sub-judice, ou seja, é discutido judicialmente. No dia 15 de dezembro, o juiz Marcelo Krás Borges, da 6ª Vara Federal da Capital, determinou a revisão do documento. Entre os principais problemas apontados está a falta de discussão nos núcleos distritais. Em caso de descumprimento, o juiz estabeleceu multa de R$ 100 mil ao prefeito Cesar Souza Junior. Por isso, somente a próxima gestão poderá dar sequência no Plano Diretor