Adquirir uma propriedade é o sonho de muitos e custa caro. Prova disso são as parcelas de financiamentos habitacionais, que podem se arrastar por décadas. Mas além dessa modalidade de aquisição e da compra à vista, há uma parcela da população que conquista seu imóvel por meio de usucapião. Apesar de ser vista simplesmente como invasão de propriedade, a usucapião tem várias modalidades e está previsto na legislação. É possível, por exemplo, a aquisição de área comum por meio de usucapião, desde que demonstrada a posse exclusiva de um dos condôminos.
O consultor jurídico da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), Luís Henrique Freitas Nogueira, define a usucapião como prescrição aquisitiva. “É a aquisição (e consequente perda para o proprietário anterior) da propriedade de um imóvel em razão do decurso de um determinado período de tempo. Existem várias modalidades de usucapião (extraordinário, ordinário, constitucional etc.) e cada um deles apresenta características próprias que devem ser comprovadas pelo ocupante do imóvel para que lhe seja garantido o direito à propriedade do bem ou área através da posse por tempo”, explica.
Recentemente, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reconheceu o direito de um condômino usucapir área comum antes pertencente ao condomínio edilício, que se caracteriza pelo conjunto de edificações com que contam partes exclusivas (os apartamentos) e partes comuns (corredores, fachada, pátio externo, área de estacionamento, estrutura do edifício etc). “No caso, foi reconhecido que o condômino exercia a posse mansa e pacífica da área há décadas, sem interrupção ou sem qualquer ato praticado pela administração do condomínio contra a posse, apresentando-se, inclusive, como dono de referida área”, informa Luís Henrique Nogueira.
É bom frisar que, nos casos da usucapião em condomínio edilício, não basta o mero uso da área comum, mas efetiva individualização da área a ser usucapida, como ressalta o advogado. “Por exemplo: não basta que eu utilize uma área comum sem efetivamente separá-la/desmembrá-la do restante; é preciso que a área seja demarcada, desapossada do condomínio, ou seja, os demais condôminos não terem condições de usar aquele espaço.”
O consultor jurídico da ABMH diz que, no caso de usucapião de área comum pertencente ao condomínio, o TJMG, no julgamento do recurso de apelação 1.0024.08.966418-9/001, entendeu que não há nenhuma vedação legal à possibilidade de condômino que exerce posse exclusiva de área comum de requerer usucapião. “Porém, a concessão do direito depende do preenchimento dos requisitos necessários da modalidade de usucapião arguida. ”
De acordo com Luís Henrique Nogueira, a referida decisão abre um precedente para proprietários de unidade em condomínio edilício, assim como proprietários em condomínio voluntário (várias pessoas são proprietárias do mesmo bem), de buscar regularizar a situação fática (posse exclusiva) no registro do bem (propriedade). “Entendemos que a decisão é acertada, pois se não há vedação legal e se a lei dispõe sobre um instituto que autoriza a aquisição da propriedade pela posse, nada mais justo que aquele que se apresenta como dono do bem ou da área, que exerça a sua posse há muito tempo e que nunca fora importunado pelo real proprietário, tenha reconhecido o direito de ser o novo proprietário do bem.”
Conforme o advogado, tal situação casa muito com a função social da propriedade. “Se o real proprietário não se importa em dar um fim adequado ao bem ou à área nem se importa em ocupá-la ou agir contra ocupação de terceiros, deixa transparecer que não tem qualquer interesse pela mesma, razão pela qual torna-se justa a aquisição da propriedade por aquele que a possuí como se dono fosse, dando-lhe o regular fim social que se espera.”