Fonte: Extra
Mais de 7.500 unidades habitacionais de 22 empreendimentos do “Minha casa, minha vida” já estão prontas no Rio — mas ainda vazias —, por inconsistências de dados ou falta de cadastros sociais de famílias interessadas, com renda de até R$ 1.800, que compõem a chamada faixa 1 do programa habitacional. São cinco mil moradias sob a responsabilidade da Caixa e 2.592 a cargo do Banco do Brasil. A situação mais crítica é verificada em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Somando todos os empreendimentos previstos na cidade até o fim do ano, o número aumenta: a prefeitura não tem dados suficientes sobre os interessados em ocupar nove mil imóveis.
Os registros se perderam na transição da administração passada para a atual. Os 1.440 imóveis da primeira fase do Residencial Parque Guandu, por exemplo, estão prontos. Mas as famílias já selecionadas não podem fazer a mudança até o preenchimento de 488 vagas cujos cadastros foram reprovados pelo Banco do Brasil, agente financiador do projeto. A prefeitura não tem inscrições que poderiam ser usadas como reserva, convocando novos interessados. O déficit habitacional na cidade é de 60 mil moradias.
— Criaram a expectativa de que mudaríamos até o Natal, mas estamos quase no carnaval. Os apartamentos estão prontos e vazios. Estou com meu marido e minha filha de 6 anos morando de favor, numa casa de três cômodos, com mais seis pessoas — disse a dona de casa Francis Scotta, de 33 anos.
A situação é a mesma do salgadeiro Luis Henrique Vieira de Souza, de 51. Ele chegou a comprar móveis novos para fazer a mudança, mas perdeu os armários e o guarda-roupa após uma ventania que destelhou a casa da mãe, onde vive com o enteado:
— É uma luta fazer a inscrição. Estou há mais de quatro anos esperando minha casa.
O processo da desempregada Fernanda Rodrigues, de 34 anos, está entre os 488 rejeitados pelo Banco do Brasil:
— Espero uma casa há mais de 7 anos, e meus documentos estavam perdidos. Tenho três filhos e vivo na casa de uma tia.
Recadastro contínuo
Com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado, Japeri, na Baixada Fluminense, recebeu um empreendimento com 800 unidades habitacionais da Caixa Econômica Federal, mas ainda espera a prefeitura liberar a relação de pessoas selecionadas para receber as moradias. O problema é que os cadastros das famílias foram perdidos. Entre os interessados, está a dona de casa Midiã da Silva Ferreira, de 26 anos, que já fez duas inscrições no programa, a primeira há quatro anos, e ainda espera uma casa. Ela descobriu, porém, que terá que passar por um terceiro cadastramento. A atual gestão municipal discorda do sorteio feito para a ocupação dos imóveis e promete um novo processo.
— Tenho quatro filhos e estou grávida. Meu marido está desempregado e pagamos aluguel de R$ 200. Nem sabia que tinha que me cadastrar de novo.
Eterno jogo de empurra
O estado do Rio tem o terceiro maior déficit habitacional do país, com 516 mil famílias sem casa, segundo cálculos da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Mas, quando os gestores do “Minha casa, minha vida” são questionados sobre as falhas do programa, o resultado é um jogo de empurra.
O Ministério das Cidades, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil declararam que é de responsabilidade dos municípios a montagem e a manutenção dos cadastros de candidatos a beneficiários e a aplicação dos critérios de seleção. Segundo o ministério, devem ser priorizadas famílias residentes em áreas de risco ou desabrigadas; famílias com mulheres responsáveis pela unidade familiar; e pessoas com deficiência
Prefeituras culpam gestões anteriores por desocupação de imóveis do ‘Minha casa’
As prefeituras de Nova Iguaçu e Japeri organizam uma força-tarefa para organizar o recadastramento das famílias de pequeno poder aquisitivo (renda bruta mensal de até R$ 1.800), interessadas na casa própria. Na primeira cidade, a Procuradoria do Município informou que vai entrar com uma ação civil pública contra a gestão anterior, em função do desaparecimento dos dados dos cadastrados.
— Não houve transição. Chegamos e não havia sequer mesas, cadeiras e computadores para trabalhar. É uma das coisas mais absurdas que já vi. As pessoas precisando, sem ter onde morar, e não há cadastros. O pior é que elas têm seus comprovantes de inscrição, mas o município não dispõe dos dados — disse o novo prefeito de Nova Iguaçu, Rogério Lisboa (PR).
Em Japeri, o secretário de Ação Social, Márcio Bibi, alegou que o sorteio feito pela administração anterior não foi transparente. Como algumas inscrições se perderam, ele pretende fazer um mutirão de recadastramento dos interessados:
— Até o próximo dia 20, vamos tentar entregar os documentos à Caixa. Precisamos ir a alguns bairros e montar tendas para agilizar o processo. O sorteio foi tão temerário que sequer um cadastro de reserva foi feito.
Enquanto isso, as edificações prontas e vazias sofrem com o desgaste, castigadas pela ação do tempo. E as construtoras pagam equipes de segurança particular para evitar invasões.
— Os primeiros problemas que devem ser observados pelos condôminos são fissuras ou exposição de ferragens que estejam oxidadas. As tubulações de água, quando estão sem uso, podem sofrer problemas nas juntas — explicou Gilberto Couri, engenheiro civil e conselheiro do Crea-RJ.
Entenda como funcionam as outras faixas
O “Minha casa, minha vida” tem dois grupos com condições diferentes de financiamento, dependendo das rendas familiares. O primeiro é aquele que deve ter rendimento bruto mensal de até R$ 1.800. Neste caso, as inscrições são feitas em prefeituras. O segundo grupo precisa ter ganhos de R$ 1.800 a R$ 9 mil por mês e deve procurar uma construtora, uma agência da Caixa ou um correspondente bancário para fechar o contrato. Para isso, não pode haver financiamento de imóvel no nome do interessado. Ele também não deve ter usado o FGTS nos últimos cinco anos para fins imobiliários nem ter o nome sujo.