Fonte: Consultor Jurídico
Ao contrário de doutrinadores “contaminados” pelo Decreto-Lei 406/1968, o diretor da área de impostos da PricewaterhouseCoopers, Daniel Dix Carneiro, afirmou que incide ICMS em transferências de mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa.
Em palestra no Rio de Janeiro durante seminário promovido pela Associação Brasileira de Direito Financeiro sobre as principais controvérsias geradas pelo ICMS nos 20 anos da Lei Kandir, Carneiro apontou que esta norma foi clara ao definir o fato gerador do ICMS nas transferências. O artigo 12, inciso I, da lei estabelece que incide o tributo quando “da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”.
Mas alguns doutrinadores ainda estão sob o efeito do Decreto-Lei 406/1968, disse Carneiro, e entendem que a mera transferência da mercadoria, sem sua tradição (transferência de posse ou propriedade) nem intuito de se obter lucro, não atrai o ICMS. Essa interpretação foi validada pelo Superior Tribunal de Justiça na Súmula 166: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.
Contudo, Carneiro – que é professor da PUC-Rio, da FGV e do Ibmec – opinou que essa linha de raciocínio foi superada pela Lei Kandir. Além de o artigo 12, I, ser claro quanto ao fato gerador do ICMS, a norma não exige a transmissão da propriedade nem o fim lucrativo para a incidência do tributo, ressaltou. Até porque, continuou, na maioria das vezes, as transferências de mercadorias são feitas com o intuito de posteriormente vendê-las.
Apesar disso, a Súmula 166 ainda pode ser aplicada em alguns casos, destacou o diretor da PwC. São eles: quando houver transferência de bens do mesmo titular de ativo imobilizado, pois esse repasse geralmente não é feito para revenda; quando houver deslocamento de mercadorias do mesmo titular destinados a seu uso e consumo; ou quando a transferência for feita entre estabelecimentos do contribuinte localizados no mesmo estado, já que isso não altera a arrecadação do Fisco local.
Visão sistêmica
No mesmo evento, o auditor-fiscal Leonardo de Andrade Costa, que é professor da FGV, defendeu que seja estabelecida uma base nacional de cálculo de ICMS. A seu ver, isso poderia ser definido por lei complementar.
Costa também criticou o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade. “Aqui não existe a teoria da inconstitucionalidade por agregação. O exame não pode ser apenas do ato que se está examinando, mas o conjunto dos atos relativos a ele já perpetrados. Às vezes o ato não atinge o núcleo inatingível, mas os demais ao seu entorno, sim”.
Com essa análise restrita, as cortes do Brasil têm uma visão meramente positivista dos tributos, não sistêmica. E isso, a seu ver, provoca distorções, indevidamente prejudicando alguns contribuintes e beneficiando outros.
Fora do cálculo
O Supremo Tribunal Federal decidiu na semana passada que o ICMS, por não compor faturamento ou receita bruta das empresas, deve ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins. O resultado, por 6 votos a 4, representou uma vitória dos contribuintes.
Advogados tributaristas elogiaram a decisão, afirmando que ela aumenta a segurança jurídica. Para o tributarista Sacha Calmon, a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins é inconstitucional. “A base de cálculo tem que refletir o fato gerador. Não pode ter como base outro imposto. Isso é um estrupício.”
Por outro lado, o ministro do STF Gilmar Mendes, voto vencido na discussão, disse que “tudo leva a crer que as consequências deste julgamento serão desastrosas para o país”. De acordo com o ministro, a decisão foi uma demonstração de “hipertrofia do controle judicial”. Segundo ele, o Supremo, com a tese, estendeu os limites do conceito constitucional de faturamento para adequá-lo à tese que implique em redução do imposto.