O crescimento do número de distratos é um dos motivos para o agravamento da crise no mercado imobiliário. Para minimizar os efeitos na economia da desistência da aquisição do imóvel, governo federal, empresários, representantes da Justiça e Procons assinaram no dia 27 de abril um acordo que fixa orientações para o reembolso dos valores pagos pelos consumidores. Embora o pacto seja visto com bons olhos, a Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH) avalia que os termos não estão totalmente de acordo com as regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC). As orientações passaram a valer no dia 27 e têm abrangência nacional. Para reaver o dinheiro, o cliente teria duas opções: pagar uma multa de 10% sobre o valor do imóvel até o limite de 90% do valor pago ou perder o valor do sinal, mais 20% sobre o que foi desembolsado.
Cada caso deverá ser analisado isoladamente, cabendo ao comprador e ao incorporador chegar a um acordo sobre qual a melhor alternativa. No caso de imóveis destinados à baixa renda, como os enquadrados no programa Minha Casa Minha Vida, a regra mais benéfica ao comprador deverá ser a primeira opção. Já nos empreendimentos voltados para a classe média alta, provavelmente a segunda alternativa será mais interessante. Para se ter uma noção, em uma simulação em que o consumidor deu um sinal de R$ 5 mil e desembolsou cinco parcelas de mil reais, o reembolso seria de R$ 4 mil. Isso sem ter de entrar na Justiça.
Segundo o presidente da ABMH, Lúcio Delfino, os termos do acordo não estão totalmente em conformidade com as regras do CDC. Isso porque os riscos inerentes à atividade econômica desenvolvida pelos incorporadores foram, de certa forma, transferidos para o consumidor. “Ora, se o consumidor não participa dos lucros e paga o preço de mercado pela unidade adquirida, também não pode participar de eventual prejuízo. Qualquer atividade mercantil tem seus riscos, o empresário precisa estar atento a eles no momento que opta por desenvolver aquele negócio e não pode transferir a responsabilidade para o consumidor.” Delfino ressalta que nenhuma das partes envolvida na negociação (incorporador e comprador) são obrigados a fazer o acordo ou aditivo contratual nesses moldes, “se a proposta apresentada não for vantajosa, nada impede que o comprador opte pela rescisão na via judicial”.
Delfino lembra que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) está em vigor desde de 1991, ou seja, já estava vigente quando os contratos de promessa de compra e venda foram assinados. “Se os incorporadores respeitassem as normas da referida legislação, não teríamos a enxurrada de ações que acabaram por abarrotar ainda mais o Judiciário nos últimos anos. Se as ações judiciais movidas pelos compradores são procedentes, significa simplesmente que a lei (em especial o CDC) não foi observada no momento em que o contrato foi elaborado, cabendo ao Judiciário intervir no negócio para corrigir o problema e assegurar equilíbrio e equidade a ambas as partes”, explica o presidente da ABMH.
Para que fossem benéficas ao consumidor, a ABMH sugere que tais orientações observassem o seguinte:
- A multa contratual deve incidir contra a parte que provocou a rescisão do contrato, e não somente contra o comprador; assim, se a rescisão foi motivada pelo incorporador, além de devolver todo o montante pago, ele deve arcar com a mesma multa prevista contra o comprador em caso de descumprimento contratual ou desistência da unidade.
- Nos termos da súmula 543 do Superior Tribunal de Justiça, a devolução dos valores pagos deve ser feita de uma única vez, no ato da assinatura do instrumento de distrato.
- A multa contrato deve ser de no máximo 25% do valor pago pelo comprador, não havendo que se falar em multa (ou qualquer outra verba) complementar, ou seja, a multa deve ser compensatória e indenizatória. A única exceção é quando a posse direta do imóvel já estiver com o comprador, caso em que é plenamente cabível uma indenização complementar pela fruição do bem.
- No que se refere à corretagem, embora o tema ainda esteja em discussão no STJ, a responsabilidade pelo pagamento dos honorários do corretor de imóveis, seja ele autônomo ou a imobiliária, é da pessoa (física ou jurídica) que contrata tais serviços. Logo, se o comprador fez a contratação do profissional, logicamente a corretagem terá sido paga por ele, diretamente ao corretor e, em caso de distrato, a devolução (ou não) da quantia paga deverá ser entendida entre as referidas partes, quais sejam, consumidor (cliente) e corretor de imóveis. Por outro lado, se a contratação e pagamento do corretor de imóveis foram feitos pelo incorporador (promitente vendedor), não se pode exigir que o promitente comprador arque com o respectivo dispêndio, primeiramente porque o consumidor não participou da negociação de tais honorários; em segundo lugar porque se trata do risco da atividade econômica desenvolvida pelo incorporador e por último porque tais despesas estão incluídas na multa pela rescisão contratual que será paga pelo promissário comprador (esta é a função da multa).
- O prazo de carência, ou tolerância, de, em média, 180 dias, sem nenhuma penalidade para o incorporador, é completamente absurdo e fere vários artigos do CDC; se o comprador atrasar com o pagamento de alguma parcela do preço da compra e venda, incidirão juros de mora, multa, correção monetária e, segundo alguns contratos, honorários advocatícios. Logo, a mesma regra tem que valer para o incorporador, de forma que multa seja a partir do primeiro mês de atraso, e o percentual incida sobre o objeto do atraso, ou seja, o imóvel.
- Com relação aos tributos e taxas condominiais incidentes sobre o imóvel, o primeiro ponto é que se tratam de dívidas que acompanham o imóvel e não o proprietário. Mesmo assim, até que as chaves sejam entregues, o promitente vendedor (incorporador) deve se responsabilizar por tais dispêndios, ainda que o habite-se seja expedido em momento anterior.