Muito se fala da crise como a maior vilã da retomada de imóveis pelos bancos em caso que envolvam financiamento habitacional. Só a Caixa Econômica Federal, até o início de dezembro de 2016, colocou à venda 8.626 unidades retomadas por falta de pagamento, volume 16% maior que em 2015. Contudo, de acordo com o consultor jurídico da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), Vinícius Costa, outros pontos também são de extrema relevância e precisam ser observados para entender melhor sobre esse aumento.
Execução extrajudicial
Os contratos de financiamento habitacional apresentam como garantia de retorno da dívida o próprio imóvel adquirido pelo mutuário. Nesse imóvel é gravada uma garantia real (alienação fiduciária), que é regulada pela Lei 9.514/97. Do ponto de vista jurídico, trata-se de uma lei muito benéfica para o credor, uma vez que poderá fazer todo o “processo” de execução sem precisar ajuizar uma ação. Uma vez caracterizado o inadimplemento (três prestações não pagas), o banco requer do cartório a notificação do mutuário para pagamento da dívida em 15 dias. Não havendo a quitação, o banco está autorizado a consolidar a propriedade em seu favor, e então mandar a leilão nos próximos 30 dias.
Confrontando o que determina a Lei 9.514/97 com outros procedimentos de execução (Decreto-Lei 70/66 e Código de Processo Civil), é possível observar que se trata de um procedimento muito mais rápido. Pelo Decreto-Lei 70/66, o banco deve enviar dois avisos de cobrança para o mutuário. Não havendo pagamento da dívida, o banco nomeará um agente fiduciário (outra instituição financeira cadastrada para esse fim), que fica responsável por notificar o devedor para pagar a dívida. Não paga a dívida, o banco fica autorizado a mandar o imóvel a leilão, devendo o mutuário ser cientificado da data, horário e local do leilão através de notificação prévia pelo oficial leiloeiro.
Por outro lado, quando falamos de execução do Código de Processo Civil, temos que o mutuário é intimado para pagar dívida, ou então apresentar sua defesa no prazo legal. Essa defesa pode ser recebida com efeito suspensivo e os processos duram anos no poder judiciário.
Ausência flexibilização no pagamento das dívidas
Uma queixa muito comum dos mutuários é que, após o vencimento da terceira parcela do financiamento, os bancos não negociam mais e somente aceitam o pagamento integral de todas as prestações. Esta política extremista de não negociar as dívidas com o consumidor pode ser muito prejudicial aos bancos se aliada com a atual crise. Isso porque o mutuário que não dá conta de pagar uma prestação, certamente não dará conta de pagar três. Por outro lado, em leilão, o imóvel vai pelo valor da dívida ou pelo valor de avaliação, o que significa um investimento mais pesado para quem queira arrematar. Já não se arremata mais como antes, pois o mercado imobiliário não apresenta a mesma rentabilidade de antes. Prefere-se investir em fundos com rentabilidade mais segura e retorno mais rápido.
Lembrando que não somente a venda de imóveis está em queda, mas também o aluguel. Os valores não são vantajosos para o investidor, que ficará com o capital imobilizado e ainda poderá sofrer com possível inadimplência do inquilino ou danos no imóvel ou condomínio que são de sua responsabilidade.
Falta de informação
Existe uma cultura nacional de não se ler o que se assina. Isso vale muito para o caso dos financiamentos habitacionais, pois o que sempre pesa mais é o sentimento de realizar um sonho, deixando de lado o racional de se planejar o pagamento do empréstimo a longo tempo. Dúvidas das mais várias são levantadas após a assinatura do contrato de financiamento que impactam diretamente na capacidade de pagamento do mutuário. Some-se a isso a falta de preparo de várias pessoas que atuam no setor de financiamento habitacional dos bancos que não sabem prestar informações claras, diretas e objetivas acerca do serviço que é fornecido no mercado.
Exemplo prático disso é o direito do mutuário de pagar a dívida após a consolidação da propriedade do imóvel em nome do banco. Na grande maioria dos casos, os mutuários são informados de que esse procedimento (consolidação da propriedade) encerra o contrato de financiamento. Na verdade, esse procedimento encerra a 1ª fase da execução do contrato, cabendo ainda ao banco levar o imóvel a leilão (2ª fase). Até a arrematação, o mutuário tem direito de pagar e o banco deve aceitar o pagamento. Diante dessa falsa informação de que perdeu tudo, o mutuário acaba desistindo dos seus direitos e deixa seu imóvel ir a leilão.
Engessamento do poder judiciário
Para os que procuram resolver a questão na justiça o caminho também não é fácil. Hoje praticamente se esgotaram as discussões jurídicas dos contratos de financiamento, haja vista entendimento firmado em diversas matérias relacionadas ao Sistema Financeiro da Habitação pelo Superior Tribunal de Justiça. Restou, contudo, a possibilidade de revisão do financiamento com base na alteração da capacidade financeira da família.
Atualmente, os contratos de financiamento devem respeitar um comprometimento de renda de 30%. Assim, se a prestação supera esse comprometimento, existe a possibilidade de se discutir a revisão judicial. Há também a possibilidade de requerer o elastecimento do prazo do financiamento, o que vai significar uma diminuição imediata no valor da prestação. Por fim, pode também ser discutido uma substituição do sistema de amortização.
O que pesa nessa situação é o tempo de processo. No caso da Caixa Econômica Federal, por exemplo, um processo que passa por todas as esferas da justiça federal demora cerca de oito anos para ter seu julgamento final.
Demora na procura de ajuda
Também é comum o mutuário deixar para procurar ajuda somente quando seu imóvel vai a leilão. Uma mística relacionada ao financiamento habitacional é de que “ninguém vai tomar meu imóvel!”. Na prática isso não funciona, pois os casos que envolvem financiamento habitacional são exceção à regra do bem de família. Logo, se houver inadimplência das prestações, o imóvel, sendo ou não o único da família, será levado a leilão.
O procedimento de execução é bem rápido e não se pode negar. O que se tem de média de tempo gasto pelo banco para mandar um imóvel a leilão hoje é seis meses. Nesse período, o mutuário inadimplente não pode simplesmente cruzar os braços e deixar que a coisa se resolva sozinha. O que ele pegou com o banco foi dinheiro e o banco não é imobiliária ou construtora para viver de imóveis. Esse bem dado em garantia será disponibilizado para venda com o fim único de retorno do capital emprestado.
Cabe ao mutuário, mesmo diante de um parecer pessimista do preposto do banco buscar auxílio profissional qualificado para entender quais são os seus direitos e quais são as suas obrigações em relação a esse negócio jurídico. Lembrando que quanto mais rápido se procura ajuda, menor é a dívida!