Fonte: Ademi
As mudanças que o prefeito Marcelo Crivella pretende fazer na cobrança do IPTU do Rio poderão levar proprietários de quase 500 mil imóveis da cidade – entre residências, lojas, salas comerciais e terrenos que hoje estão isentos – a recolher o imposto a partir do ano que vem. Além disso, quem já paga deverá ter aumento no tributo. As informações constam de documentos apresentados anteontem por técnicos da Secretaria de Fazenda durante reuniões com vereadores da base governista e da oposição no Palácio Pedro Ernesto. O envio do projeto à Câmara Municipal deverá acontecer dentro de alguns dias.
Ainda não é possível afirmar qual será o aumento real médio para imóveis que pagam IPTU, que, segundo a prefeitura, está com valores defasados. As novas planilhas, que servirão como base de cálculo para o imposto, não foram entregues para os vereadores. O Legislativo espera esses documentos para fazer simulações, comparando as tabelas propostas com as que são usadas desde 1997.
COPACABANA ENTRE OS BAIRROS MAIS ATINGIDOS
Os vereadores foram informados que Copacabana deverá ser um dos bairros mais atingidos pelas mudanças. Segundo técnicos do município, dos 44 mil apartamentos do Rio que passariam a pagar o imposto, 21 mil estão no bairro.
O impacto tende a ser menor para os imóveis construídos depois de 1997 e para os negociados nos últimos 20 anos. Isso porque, nos dois casos, os proprietários tiveram o IPTU atualizado quando obtiveram o habite-se ou pagaram o ITBI (imposto cobrado em transações imobiliárias).
Com as mudanças, o município estima que poderá elevar a arrecadação do IPTU em R$ 700 milhões a partir de 2018. Junto com o aumento do imposto, a prefeitura pretende propor um reajuste de 2% para 3% na alíquota do ITBI, gerando uma arrecadação extra de R$ 300 milhões por ano.
O projeto com as alterações nas regras tributárias deveria ter chegado à Câmara na última segunda-feira. Mas, por falta de consenso, inclusive na base do governo, a prefeitura mudou a estratégia: decidiu que só enviará a proposta quando tiver a certeza de que terá pelo menos 26 votos (maioria simples) entre os 51 vereadores para aprová-la. Hoje, a base do governo é formada por 20 vereadores, e muitos estão insatisfeitos. Reclamam, por exemplo, que Crivella escolheu assessores com aspirações políticas para comandar as superintendências regionais.
A exposição apresentada pelos técnicos no Palácio Pedro Ernesto apontou uma série de mudanças nas regras do imposto. A primeira delas atualiza a chamada planta de valores, que fixa o valor do metro quadrado dos diversos logradouros eé a base de cálculo do IPTU. O cálculo é feito hoje com índices de 1997. Uma outra proposta muda as regras para um imóvel ser classificado como “popular”. Hoje, com base na planilha de 1997, todo imóvel com até cem metros quadrados e valor de mercado estimado em até R$ 260 mil tem direito a um desconto de 40% no imposto e na taxa de coleta de lixo (paga no mesmo carnê do IPTU). Caso o valor final fique abaixo de R$ 96, o contribuinte é automaticamente declarado isento. O projeto apresentado aos vereadores acaba com a isenção por metragem e fixa em R$ 240 mil (com base na planta de 2017) o valor máximo para que o imóvel tenha isenção.
Como a nova planta de valores não foi apresentada, vereadores não sabem se imóveis de baixo padrão terão o IPTU reajustado ou passarão a pagá-lo. Um exemplo: planilhas da prefeitura indicam que 1.165 imóveis da Rua Humberto de Campos, no Leblon, são beneficiados pelas regras atuais e podem perder a isenção. Ali fica a Cruzada São Sebastião, onde apartamentos têm sido vendidos por até R$ 300 mil – acima do limite proposto pela prefeitura.
Como contraproposta, os vereadores pediram para o município reavaliar os parâmetros. Eles defendem que o limite de isenção dos imóveis (com base no valor de mercado) passe dos R$ 240 mil para R$ 400 mil. Se a prefeitura aceitar, o número de imóveis que perderiam a isenção diminuirá. Vereadores também sugerem que a prefeitura suspenda um programa de revisão dos cadastros de IPTU que vem sendo realizada na Zona Oeste com base em imagens aéreas. Uma auditoria do Tribunal de Contas do Município (TCM) avalia o programa.
– Eu não condiciono meu voto à suspensão do projeto de recadastramento, que gerou cobranças exorbitantes. Mas é importante que ela seja aprovada antes do debate do IPTU – argumentou Marcelo Siciliano (PHS).
O líder do governo, Paulo Messina (Pros), está confiante de que a Câmara chegará a um acordo sobre o reajuste do IPTU.
– É um projeto importante. Nada mais produtivo do que a Câmara do Rio e o prefeito buscarem um consenso – disse Messina.
A prefeitura preferiu não comentar a proposta. A assessoria de imprensa de Marcelo Crivella argumentou que as mudanças no IPTU podem ser reavaliadas para chegar a um acordo com a Câmara. Segundo o município, o objetivo é buscar a justiça fiscal, garantindo que imóveis de áreas mais carentes continuem isentos.
O GLOBO apurou com fontes do Executivo que Crivella quer aprovar o projeto este semestre. O objetivo é incluir uma previsão de aumento da arrecadação em negociações com o BNDES pelo adiamento, até 2018, do pagamento de empréstimos de R$ 650 milhões com a instituição. Ontem, o prefeito se encontrou em Brasília com o presidente Michel Temer justamente para pedir a rolagem da dívida com o banco.
MOBILIZAÇÃO CONTRA A PROPOSTA
Entre os contrários à proposta está Rosa Fernandes (PMDB), que tem base eleitoral na Zona Norte, onde quase 500 mil imóveis estão isentos de IPTU ou pagam o imposto reduzido. Presidente da Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara, ela vai convidar o ex-coordenador de IPTU da prefeitura Antônio Moreno para cruzar as planilhas antigas e novas e avaliar o impacto dos reajustes.
– Eu sou contra qualquer proposta que sacrifique a população pobre, ainda mais em um momento de crise. Vamos mobilizar a Casa contra o projeto. Com o apoio de 17 vereadores será possível apresentar emendas, tirando o projeto seguidamente de pauta. Da forma que foi apresentada não passará – disse Rosa.
A proposta já causa polêmica fora do cenário político. O presidente da Sociedade de Amigos de Copacabana, Horácio Magalhães, argumentou que não é possível discutir o aumento do imposto num momento em que a prefeitura falha na prestação de serviços básicos:
– As ruas do bairro estão tomadas por ambulantes e desabrigados, falta fiscalização. Os idosos têm tropeçado em calçadas em péssimo estado de conservação. E a grande pergunta que ainda não foi respondida: afinal, de quanto será o reajuste?
Para a advogada especialista em direito tributário Andrea Gonçalves, as mudanças no IPTU poderão corrigir distorções:
– Há imóveis em áreas nobres da cidade que estão com um valor muito abaixo do mercado. O que deveria ser feito, até por uma questão de justiça tributária, é uma revisão ampla e irrestrita. O município está em um cenário de crise, e as receitas tributárias são uma das principais fontes de arrecadação.
O economista Nelson Sousa, professor de finanças do Ibmec, acredita que aumentar a tributação em um momento de crise econômica poderá “estrangular o contribuinte”:
– O que será revertido na melhoria dos serviços? Os governantes querem resolver os problemas deles da forma mais fácil, aumentando tributos.