Fonte: G1 Espírito Santo
Mais de 600 famílias tiveram o sonho da casa própria interrompido após a construtora com a qual compraram apartamentos entrar em recuperação judicial. Agora, estão sem perspectiva de quando vão reaver o dinheiro ou ter seus imóveis prontos.
A empresa Decottignies lançou, entre 2013 e 2015, seis empreendimentos, em Vila Velha e Guarapari, com cerca de 800 unidades. Chegou a negociar 80% delas, mas nenhuma foi entregue. Em dificuldade financeira, a empresa pediu recuperação judicial, em janeiro deste ano, e agora está impossibilitada de concluir as obras.
Dos seis condomínios comercializados, três ainda estão no chão, em fase de fundação. Dois, em acabamento. O último está em fase de construção da estrutura.
Segundo o advogado Elifas Moura de Miranda Junior, que representa parte dos compradores do Edifício Arcádia, só com esse condomínio, cujo terreno é na Praia da Costa, a construtora arrecadou R$ 6 milhões. “A construtora só fez a fundação, gastou menos de R$ 1 milhão. O restante do valor não se sabe onde está”.
Ele alega que a empresa não usou o regime de afetação, que é a constituição de uma nova pessoa jurídica para separar recursos da obra do patrimônio da construtora. A medida não é obrigatória, mas dá proteção ao consumidor. “Quando a empresa não faz, é algo que se deve tomar cuidado, pois é fator de insegurança”, diz.
Com as obras paralisadas, os compradores das unidades pedem ao juiz da Vara de Recuperação Judicial para permitir a transferência da obra para outra construtora. Eles também querem se habilitar como credores da Decottignes.
O advogado Trajano Conti Ferreira, 31 anos, comprou em 2013 um apartamento no Arcádia para morar com a família.
“Vi que a obra não andava e entrei em contato com eles, no final de 2014, para rescindir o contrato. Mas o Rubens (um dos sócios), numa reunião com os compradores, cerca de 50 pessoas, pediu para que não desistíssemos, prometendo entregar no fim de 2016”.
Os imóveis seriam financiados na planta pela Caixa, mas o contrato não chegou a ser assinado pelos mutuários.
Houve até quem ficou doente com a situação. Esse é o caso da bacharel em Direito Deyse Manente Gomes, 31 anos. “Estou com arritmia, causada pelo estresse. Comprei o apartamento para morar, seria meu primeiro imóvel. Investi R$ 75 mil e acho que vou perder tudo”.
O fisiologista Frank Pereira, 33, também comprou apartamento no edifício para viver com a mulher e a filha, de 8 meses. “Agora, estou pagando aluguel. Investi tudo o que tinha. Sempre acompanhei a obra e em nenhum momento disseram que a empresa estava com dificuldades. Quando veio o pedido de recuperação judicial, acabou comigo”.
Agora, o único caminho para os compradores é aguardar a Justiça definir o desfecho da recuperação judicial. Um dos pedidos dos compradores, para serem credores da Decottignes, não foi aceito pelo interventor. Os consumidores ainda esperam a decisão pelo pedido de transferência das obras para outra construtora, já contratada, e que cobrará R$ 43 mil a mais de cada um para concluir as obras.
Empresa: prédios serão entregues
O sócio-diretor da Decottignies, Henrique Decottignies, garantiu que a empresa vai entregar os apartamentos que vendeu. Ele explicou que os três empreendimentos que estão em fase mais adiantada estão segurados pela Caixa Seguradora e que o trâmite para eles depende da liberação dos recursos.
“Os outros três são prédios que estão no plano de recuperação. Estamos formalizando parceria com uma construtora para concluir as obras, o que precisa ser autorizado pelo juiz da recuperação. As obras são viáveis e serão entregues”.
Ele diz que os compradores do Arcádia terão que arcar com atualização de custos, estimados em cerca de R$ 15 mil. “Nesses 6 empreendimentos, a gente também tem o recurso que falta ser recebido dos clientes, pois nem todos quitaram. Este dinheiro será redirecionado para os próprios clientes. Se faltar algo, a Decottignies vai alocar recursos.”
Já os outros empreendimentos, explica Henrique, terão lucro. “Se permitido pela Justiça, eles serão retomados em parceria com outra construtora”.
Ele explica que a Decottignes perdeu a capacidade construtiva por dois fatores. “Primeiro, tivemos o fator econômico do país. Segundo, com a recessão e as pedaladas do governo, a Caixa dificultou a contratação de crédito. A Decottignes tinha o financiamento aprovado, mas os clientes não conseguiam assinar os contratos. A empresa deixou de receber algo em torno de R$ 40 milhões”, defende-se.
Todo cuidado é pouco na hora de comprar um imóvel na planta
Na hora de comprar um imóvel, há muitos cuidados que precisam ser tomados para que o comprador não leve calote. A cautela deve ser ainda maior quando o bem ainda está na planta. Existe risco real do negócio não sair do papel.
O advogado Igor Britto, professor de Direito do Consumidor, lembra que este é o pior momento, das últimas duas décadas, para comprar uma unidade em construção, já que nunca tantas construtoras declararam falência como em 2015 e 2016.
Segundo ele, antes de assinar o contrato, é importante verificar a condição financeira da empresa e se a incorporadora optou pelo regime de afetação para o empreendimento, que é a constituição de pessoa jurídica com CNPJ só para a obra.
“Nesse regime, os bens e recursos destinados à construção ficam separados dos outros empreendimentos e de todo o resto do patrimônio da construtora. O dinheiro não pode ser tomado por dívidas que não sejam relacionadas àquela obra”.
Ele esclarece que, depois de assinar o contrato, o consumidor precisa acompanhar rigorosamente o andamento da obra, pedir esclarecimentos sobre o cumprimento de prazos e etapas do projeto.
O diretor regional da Associação Brasileira de Mutuários da Habitação (ABMH), Valdenir Rodrigues, lembrou o caso Encol, que faliu em 1999 e deixou milhares de família sem a casa. Ele afirma que quem compra na planta deve ter ciência de que algo pode dar errado. “Se não quer correr risco, se recomenda comprar o empreendimento pelo menos 70% concluído. Se acontecer algo, o prejuízo é menor e fica mais fácil terminar a construção”.
Outra dica, segundo Rodrigues, é buscar imóveis com financiamento associativo, que é a parceria entre construtora e agente financeiro de financiamento que garante que as obras serão concluídas.
Entenda
– Lançamentos
Lançados entre 2013 e 2014, seis empreendimentos da construtora não foram entregues: cinco em Vila Velha e um em Guarapari. Três estão em fase inicial, um em fase de estrutura e outros dois em acabamento.
– Censo
Segundo o Censo Imobiliário do Sinduscon, no semestre entre abril e outubro de 2015, a empresa tinha 734 unidades em produção.
– Recuperação judicial
Em 27 de janeiro deste ano, a Decottignies entrou com pedido de recuperação judicial, deferido em fevereiro. A empresa alega ter sofrido com a crise econômica e com atrasos e impedimentos da Caixa Econômica para aprovação de financiamentos para os compradores das unidades, o que teria feito a empresa deixar de receber cerca de R$ 40 milhões.
Os empreendimentos
– Residencial Arcádia
Na Praia da Costa, teria apartamentos de dois quartos. Segundo a construtora, a fundação da obra está finalizada, e a estrutura, 5% concluída.
– Bayside Special Club
Em Itaparica, teria 2 e 3 quartos com suíte, em 2 torres com 10 pavimentos e 8 apartamentos por andar. Está em fase de fundação, com 82% dela concluída.
– Villa Della Glória
Apartamentos de 2 quartos com varanda em Alto Glória. Seriam 4 torres, com 10 pavimentos e 8 apartamentos por andar. Lançado no fim de 2013, está em 67% da fundação.
– Di Francesco Residencial
Na Praia da Costa, foi lançado no final de 2013. Teria 17 pavimentos com 4 apartamentos de 3 quartos por andar. Em fase de estrutura, com 34% concluído.
– Vivendas da Lagoa Residence
Em Enseada Azul, Guarapari, são apartamentos de 3 quartos com suíte. Está em fase de acabamento.
– Cidal Zocatelli
Em Itapoã, são apartamentos de 2 quartos e 13 pavimentos com 4 unidades por andar. Em fase de acabamento.
Atenção na hora de comprar
– Separação de patrimônio
Antes de assinar o contrato, é importante verificar se a incorporadora optou por constituir patrimônio de afetação para o empreendimento. No regime de afetação, os bens e recursos destinados ao empreendimento ficam separados de outros e de todo o resto do patrimônio da construtora, e o empreendimento passa a ter CNPJ próprio.
– Investigar a construtora
Outra dica é investigar se ela está sendo muito demandada em ações judiciais, optar por construtoras sólidas no mercado que tenham larga experiência, analisar como está o andamento de outras obras da mesma construtora e se estão cumprindo os prazos.
– Buscar ajuda de profissionais
Não há meios eficientes de um consumidor sozinho prever a situação econômica de uma construtora. É necessário contar com a ajuda de corretores e advogados de confiança para buscar as informações necessárias sobre a situação da incorporadora e do empreendimento.
– Ter ciência dos riscos
Quem vai comprar um imóvel na planta tem de estar ciente que o prédio pode não ser construído. Se o comprador não quer correr riscos, o indicado é buscar imóveis pelo menos 70% concluídos.
– Buscar imóveis com financiamento associativo
Hoje, existe no mercado imobiliário o financiamento associativo, que é quando a construtora e o agente financeiro formam uma parceria de financiamento do empreendimento proposto. Durante a fase de construção, a instituição financeira vai injetar dinheiro na obra.
Em contrapartida, a empresa tem que cumprir um cronograma de construção. Caso a construtora venha a falir ou a entrar em recuperação judicial, o banco pode substituir a companhia. O empreendimento pode atrasar, mas será concluído.
– Guardar material publicitário
Guardar os encartes publicitários da construtora ajuda a provar que o consumidor adquiriu o imóvel com características do empreendimento que podem não ser entregues pela empresa.
– Cuidados com o contrato
Na proposta de compra e venda, é preciso pedir que o corretor ou vendedores relacione todas as especificações do empreendimento, assim como todos os detalhes da forma de pagamento e o índice de atualização monetária.
– Acompanhar a obra
Depois de assinar o contrato, o consumidor precisa acompanhar rigorosamente o andamento da obra, pedir esclarecimentos sobre o cumprimento de prazos e etapas do projeto.