Antes de fechar o negócio, é essencial obter informações sobre juros, seguros, inadimplência, venda casada e taxa de administração

 Antes de financiar um imóvel com um banco, é muito importante que o mutuário tenha em mente como funciona o sistema para não ser pego de surpresa no curso da relação contratual. A grande maioria da população ainda não tem o costume de fazer compras à vista, principalmente quando a questão demanda desembolso de valor muito elevado. Por isso, antes de entrar em um financiamento habitacional, é importante entender como ele funciona e quais são os maiores vilões dessa relação, conforme enumeramos abaixo o presidente da Associação dos Mutuários da Habitação (ABMH), Vinícius Costa.

Juros

A questão relativa aos juros se divide em duas frentes: taxa e capitalização. No que diz respeito à taxa de juros, é aquela indicada no contrato cobrada mensalmente sobre o saldo devedor. É possível identificá-la nas primeiras folhas do contrato e normalmente vem indicando “taxa nominal” e “taxa efetiva”. Não é comum haver explicação por parte dos bancos acerca da diferença de uma e de outra, muito menos do porquê se cobra a mais cara em detrimento da mais barata. O indicado é procurar um contador para obter informações sobre o assunto. Além disso, podemos considerar que no Brasil a taxa de juros é extremamente elevada se comparada a outros países, inclusive da América do Sul.

Além de apresentar uma das maiores taxas de juros do mercado mundial, ainda é permitido capitalizar juros, ou seja, na prática aquela “taxa efetiva” disposta no contrato ainda é menor do que o que efetivamente é cobrado pelo banco. Para quem ainda não acredita na capitalização de juros, deixamos uma reflexão: Se a poupança que você faz no banco tem capitalização de juros, por que não haveria no financiamento habitacional cobrado pelo banco?

Seguro

É inegável que o seguro habitacional obrigatório tem uma função essencial no negócio sob o ponto de vista de garantir o pagamento da dívida ou de manter a qualidade do bem dado em garantia. Porém, na prática a implementação desse seguro dá muita dor de cabeça. A começar pelo fato de que são poucas operadoras no mercado que fornecem esse produto, juntamente com a omissão dos bancos em apresentar um leque grande de empresas para escolha do consumidor. Além disso, existe uma dificuldade imensa de contato com essas empresas para cobertura dos sinistros, que, na grande maioria dos casos, é negada ensejando o ajuizamento de ações pelos mutuários. Some-se a isso tudo o fato de que o seguro tende sempre a se elevar com o passar dos anos. Isso porque, como ele tem cobertura por morte e invalidez permanente, quanto mais velho o mutuário, mais ele paga pelo seguro. Quanto maior o saldo devedor, mais se paga também. Portanto, se você espera que sua prestação reduza na forma proposta pelos bancos, lembre-se que a regra do seu seguro é inversamente proporcional e à redução da prestação e isso pode pesar, e muito, na manutenção ou até mesmo no aumento de sua prestação.

Inadimplência

Outro assunto que está em destaque é a inadimplência. Vários e vários imóveis são levados a leilão mensalmente pelos bancos em razão da inadimplência dos mutuários. Para quem não tem conhecimento, o procedimento de execução forçado do contrato se dá pela Lei 9.514/97, sendo todo extrajudicial, ou seja, sem intervenção do poder judiciário. Uma vez inadimplente com a prestação do financiamento, o banco está autorizado a cobrá-lo através do cartório de registro de imóveis. Não sendo paga a dívida, o banco toma a propriedade do imóvel e está autorizado a mandar a leilão, sendo no primeiro leilão oferecido a quem se interesse em pagar pelo valor de avaliação e em um segundo leilão pelo valor da dívida, que em muitos casos é bem inferior ao valor do imóvel.

Caso o imóvel seja arrematado por valor igual à dívida, é concedida a quitação ao mutuário. Se for superior ao valor da dívida, o mutuário tem direito à devolução desse saldo remanescente. Contudo, caso a arrematação seja inferior, aí é obrigação do mutuário arcar com a diferença, nos termos da Lei 13.476/2017, que em seu artigo 9º destaca que “Se, após a excussão das garantias constituídas no instrumento de abertura de limite de crédito, o produto resultante não bastar para quitação da dívida decorrente das operações financeiras derivadas, acrescida das despesas de cobrança, judicial e extrajudicial, o tomador e os prestadores de garantia pessoal continuarão obrigados pelo saldo devedor remanescente, não se aplicando, quando se tratar de alienação fiduciária de imóvel, o disposto nos parágrafos 5o e 6o do artigo 27 da Lei no 9.514/1997.”

Em todos os casos acima citados, o mutuário ainda está obrigado a desocupar o imóvel, sendo que, na eventualidade de se ter um processo, a Lei 9.514/97 assegura ao credor fiduciário ou ao arrematante a liminar para tomar posse do imóvel, bem como uma indenização equivalente a um aluguel, conforme artigos 30 e 37-A.

Resumindo: se o imóvel for arrematado por menos do que a dívida com o banco, o mutuário perde tudo que investiu (recursos próprios, prestações do financiamento, benfeitorias), é obrigado a desocupar o imóvel, deve pagar à instituição financeira o remanescente da dívida e o valor da arrematação, além de ter que pagar ao arrematante uma indenização pela ocupação do imóvel. Imperioso destacar que todas essas alterações foram feitas no corrente ano, nos termos das Leis 13.465 e 13.476.

Será que vale mesmo à pena financiar um imóvel?

Venda casada

Outra prática comum no mercado feita pelos bancos é a venda casada representada pela imposição de contratação de um produto ou serviço ao financiamento habitacional. É comum impor quando da concessão de um financiamento um seguro pessoal, abertura de uma conta, um cartão de crédito, um investimento ou qualquer outro produto não vinculado ao financiamento habitacional. Tal prática é vedada pelo Código de Defesa do Consumidor e os pagamentos feitos pelo consumidor podem ser questionados judicialmente através de uma ação de indenização. Esse tipo de pratica só tem uma justificativa: bater meta de venda de produtos no banco.

No caso de abertura de contas, como elas sempre estão relacionadas a débito em conta da parcela da prestação, é importante que o consumidor tenha em mente que, na eventualidade de não ter crédito na conta, o cheque especial é quem cobre a dívida. Logo, o mutuário passará a ser devedor do banco em cheque especial, sendo que os juros desse produto, como se sabe, são astronômicos.

Mais uma vez, cuidado com os produtos que são impostos quando da contratação do financiamento, ou você poderá entrar em uma verdadeira bola de neve de dívidas.

Taxa de administração

Na parcela de alguns financiamentos, é cobrado do mutuário uma parte relativa a taxa de administração do contrato. Essa tarifa é paga de forma mensal, na média de R$ 25,00. Teoricamente, ela tem como contraprestação a administração do contrato pelo agente financeiro. Ocorre que, na prática, não há verdadeiramente uma contraprestação, pois, quando se precisa de um documento, como uma planilha de evolução do financiamento, é necessário pagar uma taxa para o banco.

Por outro lado, considerando que o pagamento dessa taxa é mensal, em um contrato de 360 meses, significa aumentar o financiamento em R$ 9.000,00 e em um contrato de 420 meses, máximo financiado, R$ 10.500,00.

Estes são alguns pontos que precisam ser devidamente analisados antes de se buscar um financiamento habitacional como alternativa para aquisição da casa própria, cabendo ao mutuário colocar na balança se é viável e acessível manter-se vinculado a um banco por 30 anos ou mais, pagando muito caro por isso, ou se compensa economizar dinheiro e com recursos próprios adquirir a casa própria.