Fonte: A Tribuna
Um dos principais motores do crescimento do País nos últimos 15 anos, o financiamento habitacional dá sinais de que chegou ao limite. Prova disso é a paralisação da linha pró-cotista da Caixa Econômica Federal, a mais vantajosa para a classe média, que segundo fontes ficará fechada pelo menos até o final do ano.
Já o crédito com verba da caderneta de poupança continua operando, mas tem juros mais caros.
Assim como outros setores, o crédito imobiliário sente o baque da crise. Porém, já se admite que suas principais fontes de recursos, o FGTS e a caderneta, não conseguirão suprir as necessidades do País quando o crescimento voltar.
O temor com o FGTS é por estar comprometido com os saques dos demitidos pela crise e a liberação das contas inativas (saldos retidos de demissões por justa causa até 2015). Já a caderneta perde poupadores por oferecer rendimento entre os mais baixos do mercado.
De acordo com a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), o financiamento via poupança no acumulado de 12 meses até maio somou R$ 45 bilhões no País – um recuo de 16,9% sobre igual período do ano passado. Em unidades, 186 mil imóveis foram financiados de junho de 2016 a maio último, uma queda de 25%.
No caso dos imóveis financiados pelo FGTS, os números vão no sentido contrário. Considerando apenas o intervalo de janeiro a março, o FGTS financiou R$ 8,162 bilhões em moradias em 2014 e saltou para R$ 14,532 bilhões em 2016 – o avanço foi de 78%.
Esses números se referem apenas ao movimento da Caixa Econômica Federal. Comparando-os com os dos imóveis com crédito pela poupança (chamado de SBPE – Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo) dá para entender a explosão do FGTS.
O volume do SBPE na Caixa despencou de R$ 14,963 bilhões de janeiro a março de 2014 para R$ 4,26 bilhões em igual período deste ano –a queda é de 71%.
O financiamento habitacional dá sinais de que já chegou ao limite (Foto: Luigi Bongiovanni) |
Linha mais barata
A grande diferença entre o crédito pelo FGTS e o pela poupança é que o primeiro tem taxas de juros até quatro pontos percentuais mais baratas que o segundo. Isso dá uma diferença considerável nas prestações.
Entre as linhas com recursos do FGTS, a pró-cotista era a preferida da classe média, porque não tem limites de renda familiar e financia 85% do valor do imóvel, que pode custar até R$ 950 mil.
A pró-cotista se tornou uma das prioridades da Caixa só em 2015 e 2016, recebendo uma média de R$ 5,5 bilhões por ano. Mas o namoro do trabalhador com a pró-cotista durou muito pouco. Os problemas por falta de recursos já começaram no finalzinho de 2015.
As interrupções da linha viraram um pesadelo para os candidatos a mutuário. Reféns da burocracia da Caixa, esses trabalhadores têm que levantar a papelada, incluindo certidões pagas em cartórios. Quando há suspensões, essas taxas e o tempo gasto para encontrar e negociar um imóvel vão todos para o ralo.
Suspensão e desistência
Este foi o caso da jornalista Maria Fenz que, no ano passado, após quatro meses de pesquisa, encontrou um imóvel, separou R$ 18 mil para impostos e taxas e, quando achava que ia assinar os papéis, a pró-cotista foi interrompida.
Conforme reportagens de A Tribuna, a pró-cotista foi suspensa, pelo menos, cinco vezes – em dezembro de 2015, fevereiro e maio de 2016 e em abril e junho deste ano.
A jornalista teve como opção migrar para linhas mais caras, mas desistiu do negócio (veja depoimento). “A linha SBPE é bem mais cara que a pró-cotista”, afirma o professor da St Paul Escola de Negócios, Maurício Godoi.
Segundo a Caixa, os juros da pró-cotista variavam de 7,85% a 8,85% ao ano e os do SBPE, de 10,25% a 11%. Uma simulação feita por A Tribuna aponta que a prestação inicial ficaria até 50% mais cara para quem trocasse a pró-cotista pelo SBPE.
“A linha acabou, pois o orçamento para o ano já está dado”, diz o vice-presidente de Habitação do Sindicato da Indústria da Construção do Estado (Sinduscon), Ronaldo Cury. “O mercado vai continuar a produzir e vender, mas o cobertor é curto e faltará dinheiro”.
Ranking
O crédito imobiliário está concentrado na Caixa Econômica Federal, mas, segundo o vice-presidente de Habitação do Sinduscon, Ronaldo Cury, a liderança já foi maior – caiu de 80% para 60% do mercado. O banco estatal opera praticamente sozinho com o FGTS, mas enfrenta a concorrência do setor privado no financiamento com recursos da caderneta de poupança. Conforme a Abecip, de janeiro a abril, a Caixa movimentou 42% dessa modalidade. Em seguida, aparecem Itaú Unibanco (19,9%), Bradesco (19,5%), Santander (10,5%) e Banco do Brasil (3,8%). De acordo com especialistas, o desinteresse dos bancos privados pelo FGTS está ligado ao spread (diferença entre o que pagam para captar dinheiro e cobram para emprestar) baixo, com uma margem de lucro bem reduzida.
Respostas
Procurada por A Tribuna, a Caixa diz que a linha pró-cotista tem orçamento previsto para este ano de R$ 6 bilhões. “Os recursos disponibilizados para a referida linha já foram utilizados”, diz a nota do banco. Já o Ministério das Cidades, responsável pelos investimentos na habitação, não dá a linha como encerrada para este ano. A pasta afirma que para o exercício de 2017 foram “inicialmente” disponibilizados R$ 5 bilhões à pró-cotista, com suplemento de R$ 2,54 bilhões em maio (este valor também já acabou, segundo o mercado). Perguntada se pode destinar mais recursos à linha, a pasta não respondeu diretamente: “por fim, informamos que até o presente momento não recebemos novo pedido de suplementação de recursos”.