Fonte: Portal O Dia

Mesmo com um volume excepcional de saques e rentabilidade maior em 2017, o FGTS não deve perder a capacidade de financiar projetos de construção civil, avaliam especialistas. Por outro lado, eles ressaltam que estas mudanças no fundo e a própria dinâmica da economia, via queda de juros, levariam a uma perda de receitas capaz de limitar os subsídios concedidos e o lucro do fundo, que passará a ser dividido com o trabalhador este ano.

O FGTS destina cerca de um terço do dinheiro das contas vinculadas para financiar projetos de habitação, saneamento e infraestrutura. Outra parte – praticamente metade dos recursos – é aplicada em títulos do Tesouro que rendem taxas atreladas à Selic.

A distribuição de 50% do lucro do FGTS com os trabalhadores e a esperada queda da taxa Selic devem ter um impacto mais significativo sobre o caixa do fundo que os saques das contas inativas até 2015, na visão do especialista em gestão governamental e consultor legislativo no Senado Federal, Marcos Kohler.

“A queda da Selic deve reduzir o ganho financeiro do FGTS com as aplicações em títulos do governo. Isso reduzirá o spread [diferença entre o que o fundo ganha ao investir e o que paga ao trabalhador]”, considera Kohler. Na prática, estes investimentos tendem a ficar menos rentáveis e gerar perdas de receita para o fundo.

Crédito subsidiado

O consultor de orçamento da Câmara, Leonardo Rolim, considera que a receita menor afetaria a capacidade do FGTS em conceder subsídios (emprestar a juros mais baratos) em programas populares como o Minha Casa, Minha Vida (MCMV). “Isso não afetaria a capacidade do FGTS em investir em habitação, mas reduziria o potencial de gerar lucro para dar crédito subsidiado”.

Em 2015, os descontos (subsídios) do Minha Casa, Minha Vida representaram 24% dos R$ 28 bilhões dos financiamentos concedidos pelo programa. Esses subsídios são computados no balanço do FGTS como despesas.

Na avaliação do economista e professor da Saint Paul Escola de Negócios, Maurício Godoi, o spread menor do FGTS não representa uma ameaça completa à política social de subsídios, já que parte dos recursos vem do orçamento da União. “Isso não levará a um aumento dos juros do crédito”, considera.

No último mês, a Caixa Econômica suspendeu a oferta da linha de crédito habitacional pró-cotista, que usa recursos do FGTS para financiar imóveis residenciais a juros mais baixos. Segundo a Caixa, “os recursos disponíveis da modalidade, atualmente, são suficientes apenas para atender as propostas de financiamento já recebidas pelo banco”.

O banco, no entanto, negou ao G1 que a suspensão seja consequência do saque de contas inativas do FGTS e disse que vai liberar nas próximas semanas R$ 3 bilhões para a linha.

“A liberação das contas inativas foi analisada e estudada pela equipe técnica do governo federal. O saque das contas inativas por parte do trabalhador faz parte do modelo conceitual do FGTS e não fragiliza a capacidade de investimentos, autorizados pelo Conselho Curador do FGTS, nas áreas de Saneamento, Infraestrutura e Habitação”, informou o banco em comunicado.

Saques das contas inativas

Os R$ 43 bilhões que o governo espera que sejam resgatados das contas inativas do FGTS até julho deste ano representam quase 40% de todo o volume sacado das contas vinculadas pelos trabalhadores no ano passado (R$ 108,8 bilhões), quando as retiradas alcançaram um volume recorde em meio ao aumento do desemprego.

O economista Godoi reforça que não há risco de um esvaziamento de caixa do fundo, já que o saldo das contas ativas (que ainda recebem depósitos) é mais que suficiente para bancar o financiamento de projetos populares como o MCMV.

Folga de recursos

Dados de novembro de 2016, os mais recentes, mostram que o FGTS tinha folga de recursos disponíveis: R$ 47 bilhões investidos em habitação e outros R$ 105 bilhões aplicados em títulos públicos federais. “A disponibilidade de recursos [não investidos no crédito] é muito grande”, aponta Kohler.

Para o consultor legislativo do Senado, o fluxo extraordinário de saques não vai afetar o FGTS estruturalmente por tratar-se apenas de um “adiantamento” de valores que seriam liberados quando as contas inativas completassem 3 anos sem depósitos, pela regra vigente. “A saída pontual de recursos será compensada por uma menor saída nos próximos três anos”.

Estímulos à construção

O economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), Nicola Tingas, não vê risco de faltar recursos para o crédito habitacional com as medidas anunciadas. “A demanda pelo dinheiro do fundo caiu em meio à crise econômica. Poderia ser problema em um cenário de demanda abundante”, afirma.

Os desembolsos do crédito imobiliário com recursos do FGTS cresceram de R$ 54 bilhões para R$ 64 bilhões em 2016, superando o “funding” da poupança pela 1ª vez em mais de 10 anos. Apesar desse aumento, o Conselho Curador do fundo previu uma queda de 1,5% no volume desses recursos em 2017.

“De maneira geral, a desaceleração macroeconômica ensejou a redução da contratação de financiamentos com recursos do FGTS”, afirmou o ministério das Cidades ao G1.

Minha Casa, Minha Vida

Para estimular o setor de construção, abalado pela recessão e pelos efeitos da operação Lava Jato, o governo ampliou este ano o acesso ao Minha Casa, Minha Vida para famílias com renda mensal de até R$ 9 mil.

O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, diz que a ampliação do Minha Casa Minha Vida este ano não comprometerá os subsídios já concedidos porque atende a uma faixa superior de renda, com juros mais elevados. “Essa ampliação vai gerar um efeito ‘Robin Hood’, porque vão sobrar mais recursos para emprestar para as faixas mais baixas”, defende.

Divisão de 50% do lucro

A partir de agosto, o governo distribuirá 50% do resultado positivo do fundo à rentabilidade das contas vinculadas do FGTS, hoje em 3% ao ano mais a taxa referencial (T.R.). O governo espera que, com a nova regra, esse retorno fique próximo ao da poupança, que rendeu 8,30% em 2016. O FGTS pagou 5,01% aos trabalhadores.

Para o economista do Mercantil do Brasil, Carlos Costa, não há risco para o caixa do fundo.“Essa divisão só representaria um risco para o resultado do FGTS se o governo estipulasse um percentual fixo de remuneração, que teria impactos se não houvesse o retorno esperado”.

Segundo o consultor legislativo Kohler, a distribuição do lucro, por sua vez, irá eliminar a fonte de acumulacao de patrimônio liquido (diferença entre o que tem a pagar e a receber), como vinha acontecendo, que não é o objetivo primordial do fundo”.