Fonte: Globo

RIO – Em 2013, os investimentos feitos por toda a cidade para a realização da Rio-2016 inspiraram o então prefeito Eduardo Paes, que, apostando em uma espiral de valorização dos imóveis, encomendou à Estrela uma versão carioca de um clássico dos jogos de tabuleiro. Assim surgiu o Banco Imobiliário Cidade Olímpica, distribuído para crianças da rede municipal de ensino. Contrariando o prognóstico, porém, um ano após o megaevento esportivo, o segmento enfrenta o momento mais delicado de uma crise prolongada, facilmente perceptível na Barra da Tijuca. O bairro, que abriga o Parque Olímpico, foi também o que mais recebeu empreendimentos comerciais e residenciais. Boa parte deles segue vazia, à espera de compradores e ocupação.

O pedido de recuperação judicial da PDG contribuiu para que um cenário crítico se desenhasse na Barra da Tijuca. Fica no bairro o principal empreendimento da construtora na cidade, o The City Business, na Avenida Embaixador Abelardo Bueno. O complexo reuniria três prédios comerciais, atualmente semiprontos, e um shopping que ainda não começou a ser erguido. Ao todo, são 1.044 salas. Do total, 640 já foram compradas. Os proprietários se organizam para enfrentar o momento de crise enfrentado pela empresa com a Associação de Defesa dos Condôminos e Credores da PDG (ADCPDG), constituída em fevereiro deste ano.

A entidade já representa cerca de 140 proprietários. E, aos poucos, começa a receber também a adesão de compradores de imóveis da construtora em outros empreendimentos da região, como o Expert Suite Services, na Estrada dos Bandeirantes, em Jacarepaguá; e o Grand Family Condomínio Club, em Vargem Grande. Advogado do grupo, que recorre à Justiça para garantir a entrega das unidades, José Roberto Soares de Oliveira explica que a intenção é fazer com que uma outra empresa dê continuidade às obras.

— Desde a quebra da Encol, as incorporações são protegidas pelo patrimônio de afetação: uma legislação que determina que o dinheiro arrecadado pelas construtoras em lançamentos vá diretamente para as obras. Assim, os proprietários não estão entre os 23 mil credores da PDG; as compras não estão atreladas à recuperação judicial. O ideal é que outra empresa assuma as obras e as conclua, uma vez que a recuperação judicial pode durar entre 180 e 360 dias, antes de uma possível transformação em falência — analisa.

O cirurgião geral Armindo Fernando Costa, presidente da Associação de Médicos da Barra da Tijuca (Amebarra), adquiriu em 2014 uma sala comercial no The City Business. A ideia era que o espaço, avaliado em cerca de R$ 300 mil, fosse utilizado pelo filho, recém-formado em Medicina, como consultório. Indignado com o tratamento dado pela empresa aos clientes e com a paralisação das obras, ele decidiu mobilizar outros clientes da PDG.

— Realizamos nossa última assembleia no dia 9. Tenho explicado aos condôminos que, isoladamente, ninguém tem chance de vencer uma gigante do setor imobiliário como a PDG. Para obtermos alguma coisa, precisamos atuar em conjunto. Eu fui um dos cem primeiros compradores, aos quais foram oferecidas vantagens, como isenção de condomínio e taxas por dois anos. Na ocasião, houve um lançamento cinematográfico de tão impressionante. Muita gente foi enganada. Sinceramente, não acredito que a PDG vá sair dessa. A dívida da empresa é muito grande — afirma.

Em nota, a PDG diz que tem atualmente 20 obras, a maioria em São Paulo e no Rio. Dessas, três devem ser entregues aos clientes em breve e três estão em andamento, entre elas, a do The City Business. As outras 14, esclarece, estão paralisadas, aguardando a negociação entre a construtora e os bancos financiadores, no âmbito da recuperação judicial.

No pedido de recuperação apresentado em fevereiro na 1ª Vara de Falências de São Paulo, a empresa informou ter dívidas de R$ 6,2 bilhões. A situação enfrentada pela PDG não é exceção em meio à crise política e econômica do país. Divulgada no início do ano pela Associação de Dirigentes do Mercado Imobiliário, a Pesquisa Ademi compara os dados de lançamentos do ano olímpico com os do ano anterior. Embora o número de lançamentos em toda a cidade tenha crescido, sobretudo os de imóveis residenciais, que passaram de 5.857 para 7.329, no bairro ele diminuiu de 409 para 87. Entre as unidades de perfil comercial, a queda foi abrupta: foram 142 lançadas em 2015, contra nenhuma em 2016.

O advogado José Roberto (à esquerda) e o médico Armindo Costa, no The City Business: eles orientam integrantes da Associação de Condôminos e Credores da PDG – Agência O Globo

Presidente da Ademi, Cláudio Hermolin diz que a redução dos lançamentos está relacionada a uma superoferta disponibilizada nos últimos anos, em virtude dos Jogos Olímpicos. Mas pondera que outros problemas afetaram o mercado na região, como o impasse na definição do Plano de Estruturação Urbana (PEU) das Vargens.

— Até 2014, a região de Barra da Tijuca, Jacarepaguá e Recreio era campeã de lançamentos e, também, de vendas. Ela sempre absorvia os novos empreendimentos, mas isso foi mudando com a crise, e o mercado reagiu, reduzindo o número de lançamentos. O PEU das Vargens também imobiliza uma grande área porque, apesar de o nome atrelá-lo a Vargem Grande e Vargem Pequena, sua abrangência começa já a partir da Avenida Abelardo Bueno. É uma área muito grande, capaz de absorver lançamentos de diversos tipos, para os mais variados públicos — afirma.

O Sindicato da Habitação do Rio de Janeiro (SecoviRio) divulgou na semana passada sua Pesquisa de Cenário Imobiliário da Barra da Tijuca e Adjacências. O estudo mostra que, embora a Barra continue a ser o bairro com o maior valor médio de metro quadrado para locação residencial na região, o valor da unidade caiu 7% de janeiro de 2016 a março deste ano. No segmento comercial, a desvalorização foi de 15,5%. O preço só subiu, cerca de 7%, na região do Jardim Oceânico, beneficiada pela chegada da Linha 4 do Metrô, umas das obras do legado olímpico.

Vice-presidente do SecoviRio, Leonardo Schneider reforça que o momento de crise beneficia os clientes com liquidez, que podem obter vantagens importantes nas negociações e se tornam mais fortes no momento de apresentação de uma proposta de negócio.

— O valor do metro quadrado para alugel retrocedeu aos patamares de 2012. O número elevado de lançamentos, unido à crise, produziu um cenário único. Hoje, temos uma taxa recorde de vacância de imóveis comerciais no Rio: ela está na faixa dos 35%, e talvez seja ainda maior na Barra, que abriga a maior parte dos novos empreendimentos. Em um bom momento econômico, essa taxa oscila entre 8% e 10%. Nossa previsão é que a cidade precise de cinco anos para absorver essa demanda, ou seja, até 2020. O mercado está totalmente nas mãos dos inquilinos e dos compradores — analisa.

O mercado em números

87 : Foi o número de unidades residenciais lançadas durante 2016, na Barra. No ano anterior foram 409. A queda aconteceu em um ano em que aumentou o número de lançamentos no restante da cidade.

15,5%: Foi a depreciação do metro quadrado de imóveis comerciais entre janeiro de 2016 e março deste ano no bairro.

7%: Foi a redução no valor médio do metro quadrado residencial na região. A exceção ocorreu no Jardim Oceânico, área valorizada graças à inauguração da Linha 4 do Metrô.

35%: É a taxa de vacância de imóveis comerciais em toda a cidade. Especialistas estimam que ela seja ainda maior na Barra, devido aos lançamentos para a Rio-2016. Em um bom momento econômico, o índice costuma oscilar entre 8% e 10%.

2020: É quando, segundo estimativa do SecoviRio, a cidade terá conseguido absorver todos os lançamentos imobiliários feitos com ênfase nos Jogos Olímpicos de 2016.

Prédios olímpicos fracassam

Entre os empreendimentos construídos em função da Olimpíada, chamam a atenção o desempenho aquém do esperado do Pontal Oceânico, onde dois condomínios serviram à Vila de Mídia; do Riserva Golf, vizinho ao campo de golfe olímpico; e do Ilha Pura, que foi a Vila dos Atletas.

Os planos para o Ilha Pura eram ousados. Durante as obras, os responsáveis pelo empreendimento, as construtoras Carvalho Hosken, dona do terreno, e Odebrecht, afirmavam que o complexo seria a maior área residencial da região. Foram feitas 3.604 unidades, em 31 prédios, em um terreno de 820 mil m². Atualmente, porém, o espaço é uma grande exposição de blocos de concreto. Segundo dados das construtoras, 300 unidades foram postas à venda, ainda em 2014, e, destas, 40% chegaram a ser comercializadas. O número representa 6,6% de apartamentos ocupados entre todos os prontos. No segundo semestre, as chaves começarão a ser entregues, e haverá oferta de mais unidades.

Vila de Mídia. No edifício Frames, do Pontal Oceânico, falta vender 288 dos 788 apartamentos construídos – Agência O Globo / fotos de Fabio Rossi

Em uma entrevista no ano passado, Carlos Carvalho, dono da Carvalho Hosken, disse que a região fora planejada para moradores de alto poder aquisitivo. Aparentemente, porém, o custo elevado dos apartamentos se tornou em um dos problemas para a comercialização.

— Fizeram imóveis amplos, com valor do metro quadrado muito alto. Lá, um apartamento de mais de 100m² sai a pelo menos R$ 1 milhão; é difícil haver público para isso. Pelo que ouvi, vão tentar mudar a estratégia, tornando-a mais agressiva e apostando nas locações com opção de compra, em que o aluguel é absorvido na hora da venda. Outra alternativa possível é tentar vender unidades para cooperativas habitacionais, empurrar para Forças Armadas, Petrobras, algo assim. Acho que superestimaram o empreendimento, pensando que ele seria facilmente vendido, como aconteceu com a Vila do Pan, mas os apartamentos aqui são totalmente diferentes — afirma o administrador Rogério Appelt, que trabalha com estudos de terrenos para incorporadoras e que mora na região.

No caso do Riserva Golf, a conjuntura econômica não é a única dificuldade. Pendências judiciais também são entraves em uma das obras mais polêmicas da Olimpíada, o campo de golfe olímpico, que custou R$60 milhões, bancados pela Fiori Empreendimentos. Na época, a construtora Cyrela recebeu autorização para erguer na área 22 prédios de 20 andares, com apartamentos avaliados entre R$ 6 milhões e R$ 13 milhões. O empreendimento foi motivo de protestos, principalmente de defensores da natureza, que denunciavam as construções em uma área de proteção ambiental.

Vila dos Atletas. Ilha Pura teve apenas 240 de suas 3.604 unidades prontas já comercializadas – Agência O Globo / Fabio Rossi

Uma das respostas da prefeitura foi lançar o projeto do Parque Natural Nelson Mandela, na mesma região, a Reserva. O parque, porém, nunca foi de fato implantado. No fim de dezembro, a Justiça chegou a bloquear os bens do ex-prefeito Eduardo Paes, por julgar que ele livrou a Fiori Empreendimentos, parceira da Cyrela no Riserva Golf, de uma taxa de R$ 1,8 milhão. No momento, estão sendo erguidos três prédios no local. O objetivo, nessa fase, era já ter lançado quatro, como mostra inclusive o site da construtora. A previsão é que os imóveis vendidos comecem a ser ocupados no fim do ano.

Além do processo ambiental ajuizado pelo Ministério Público, há outro inquérito que investiga suposta desproporcionalidade no benefício ganho pelas construtoras com o terreno.

— A prefeitura trocou a construção do campo de golfe pela mudança da legislação urbanística e ambiental. Pelas investigações, estimamos que o potencial de lucro da construtora do condomínio aumentou em R$ 1 bilhão — explica Alberto Flores, promotor do inquérito. — O que causa estranheza é que normalmente a empreiteira pede o aumento de gabarito, mas nesse caso foi o próprio poder público que sugeriu a alteração. E foram mudanças muito acintosas; no terreno podia haver seis prédios de cinco andares, e isso mudou para 22 prédios de 20 andares.

Imbróglios judiciais. Ministério Público investiga suposta vantagem desproporcional no Riserva Golf – Fábio Rossi / Agência O Globo

No Pontal Oceânico, as chaves dos apartamentos do edifício Frames, um dos que serviram à Vila de Mídia durante a Olimpíada, começaram a ser entregues na última sexta-feira. Mas ainda há muitos vazios.

— Das 788 unidades, foram vendidas 500. A Calper (construtora) está com um número muito alto de apartamentos nas mãos — afirma Sullivan Rodrigues, administrador do prédio.

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