Fonte: Rede Brasil Atual
São Paulo – Em todo o país, cerca de 11 milhões de famílias vivem em moradias precárias, em favelas ou loteamentos populares irregulares, nas periferias dos grandes centros urbanos, conforme estimativa da Central de Movimentos Populares (CMP). São adultos, crianças e idosos que dependem da regularização para ter acesso à infraestrutura básica, como fornecimento de eletricidade, água, esgoto, coleta de lixo, pavimentação, transporte e escola perto de casa.
A situação, que já deveria ter sido superada há tempos, garantindo cidadania para essa população, deverá se prolongar indefinidamente caso seja aprovada a Medida Provisória (MP) 759/2016, que estabelece novas regras para a regularização fundiária urbana, rural e da Amazônia Legal, além de liquidar créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e de criar mecanismos para acelerar a venda de imóveis da União.
Pela propaganda do governo, a medida é um avanço. Para os movimentos populares constitucional à moradia, a MP é uma ameaça real. Com a sua publicação em 22 de dezembro, quando os movimentos sociais se desmobilizavam em função das festas de fim de ano, estão foram revogados artigos que regiam os processos de legalização em andamento. É o caso da Lei 6.015/1973, do registro fundiário, e a Lei 11.977/2009, do Minha Casa, Minha Vida, que estabelece também normas para a regularização fundiária de assentamentos em áreas urbanas de interesse social.
“Procedimentos de regularização iniciados até a data de publicação da MP terão continuidade. Outros, que estavam com tudo pronto mas não iniciaram, foram suspensos porque foram revogados os artigos legais que respaldam esses processos. No entanto, a MP flexibiliza a regularização para ocupações irregulares de alto padrão, anistiando o mercado imobiliário e especuladores”, acusa a coordenadora do Núcleo de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública de São Paulo, Luiza Lins Veloso. Segundo ela, ainda não há dados sobre o número de famílias que estavam prestes a ter suas casas regularizadas.
Conforme a defensora, a MP é inconstitucional porque revoga leis que regulamentam a Constituição Federal. É o caso da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), segundo a qual a política de desenvolvimento urbano é executada pelo município, para gerir a cidade e o patrimônio público na perspectiva da sua função social.
Outro direito assegurado pela lei revogada é o de aquisição de área urbana de até 250 metros quadrados, que tiverem sido ocupados por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, poderá adquirir o domínio desde que não seja proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
“Há agora confusão jurídica, já que a MP traz pontos que não são autoaplicáveis, que dependem de regulamentação”, afirma Luiza.
Diante de tantas incertezas, movimentos, fóruns e órgãos oficiais têm realizado seminários para debater a MP, como o que aconteceu na noite de ontem (16), na Defensoria Pública de São Paulo.
Contradições
A exemplo de outras MPs do governo de Michel Temer, que não foram debatidas com as partes interessadas, a 759 é criticada pela forma autoritária e também pelo conteúdo inconstitucional, carregado de contradições.
A advogada Rosane Tierno, do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), critica a ausência de participação de representantes dos movimentos populares, defensorias, prefeituras e demais órgãos. E afirma que, ao mesmo tempo em que o pacote impõe maiores ônus para a população de baixa renda, já prejudicada com a revogação dos procedimentos de regularização, flexibiliza a legalização de ocupações de alto padrão.
“Enquanto há extinção de critérios que asseguravam o interesse social, condomínios e especuladores urbanos e rurais terão seus terrenos legalizados. Regularização fundiária é direito a ser preservado e não um pretexto para a concentração fundiária e para anistia a loteamentos e condomínios dos ricos”, afirma.
Outro ponto, segundo ela, é o fim da prioridade dada às áreas e interesse social por parte do poder público, com investimento em obras de infraestrutura e construção de equipamentos públicos e comunitários aos quais a população de baixa renda tem direito.
“Essas obras de infraestrutura são importantes para garantir direitos básicos, mas também têm a finalidade ambiental por trás. Dependendo do terreno, a falta de galerias para escoar a água da chuva pode levar a erosão, deslizamentos e tragédias humanas e ambientais”, disse a advogada, ressaltando que a MP extingue o licenciamento ambiental diferenciado para essas áreas e desobriga os loteadores irregulares e grileiros de terras públicas a adotarem medidas medidas corretivas.