Fonte: Administradores

Em breve, o STJ – Superior Tribunal de Justiça – irá se debruçar sobre questão atinente ao juro remuneratório estipulado em contrato de mútuo feneratício, definição jurídica para empréstimo oneroso de bens e valores com incidência de juros.

Precisamente, a Corte vai definir tese que determina se, em sede de repetição de indébito, ou devolução de valor recebido indevidamente, há incidência de juro remuneratório em favor do mutuário, ou seja, o cliente tomador do empréstimo, e se sim, qual é a taxa devida.

Até aqui a questão se apresenta tormentosa, existindo bons argumentos tecidos pelas teses dos bancos e dos clientes contratantes deste tipo de serviço financeiro. Porém, a solução para conflitos que surgem nesta espécie de relação contratual entre tomadores de serviço e seus ofertantes, sujeita-se ao entendimento firmado pelo órgão julgador que aprecia a questão em concreto.

Ou seja, o desfecho de um processo sobre tal assunto varia, conforme a corrente a que se afilia o tribunal que julga o caso, e nos vários Tribunais de Justiça do país são proferidas decisões que ora variam em favor dos mutuários, ora em prol das instituições financeiras.

Invariavelmente, tais processos são alçados ao STJ, incumbido de julgá-los definitivamente, em sede de instância revisora.

Numa análise sintética e resumida, de um lado, a tese dos mutuários é no sentido de se aplicar em seu favor a mesma taxa de juro que o contrato exige destes, a título de remuneração do valor disponibilizado pela instituição financeira, quando se constata que há quantia recebida a mais por aquela, que deva ser restituída ao cliente.

Afinal, se trata de uma relação sinalagmática, ou seja, que prevê obrigações recíprocas, que se equivalem no fato do banco disponibilizar certa quantia por certo prazo de tempo em favor do mutuário, e este a restituir a quantia que lhe fora disponibilizada na época acordada, acrescida da remuneração, aferida por taxa de juro.

E no ponto em que se estabelece a remuneração do valor tomado pelo cliente, a cláusula determinante de juro remuneratório a ser pago pelo mutuário deve ser aplicada também ao banco contratado, a título de remuneração pelo capital que detivera por certo período e ao final fora restituído ao seu titular.

Isso porque no sistema dos contratos privados, quando se estabelecem obrigações que não devam ser satisfeitas a título gratuito, suas cláusulas gerais devem ser aplicadas de forma equitativa, ou seja, a ambas as partes contratantes.

Então, se a instituição financeira é remunerada por taxa de juro prevista no contrato pela quantia que disponibiliza ao seu cliente, esta mesma taxa incide em favor deste, quando tem valor a haver em decorrência do próprio contrato, no período em que este se vira privado de dispor do recurso que o pertencia.

De seu turno, a tese que em linhas gerais se ocupa da não incidência de juro remuneratório na hipótese de restituição de valores por parte de instituição bancária advoga que esta não é devida, pelo fato do mutuário não integrar o sistema financeiro nacional.

Ou seja, uma operação de mútuo feneratício deveria ser analisada num espectro amplo, que não somente a relação contratual mantida entre banco e cliente tomador de seus serviços de empréstimo, concedido nas mais variadas formas de crédito.

Assim, antes de se disponibilizar recursos financeiros a serem tomados a título de empréstimo oneroso, estes necessitam ser previamente captados no mercado, junto ao público investidor.

E em tais operações de captação de recursos, para que haja disposição dos poupadores em realizar a aplicação de valores junto a instituições financeiras, a remuneração de seu capital se dá em consonância às taxas de juro, cujo patamar é definido pelo mercado, dentre outras variáveis, em razão de risco, oferta e demanda.

Nesse contexto, a atividade econômica desenvolvida por instituições integrantes do sistema financeiro nacional seria a intermediação de capital, e não especulação financeira visando o lucro a partir da demanda decorrente da necessidade por capital.

Como toda atividade econômica organizada, o seu desempenho traz consigo custo a ser adicionado ao serviço tomado pelo contratante, de modo que quem a exerça possa não somente cobrir valores que compreendem o próprio bem disponibilizado, no caso o recurso financeiro tomado pelo cliente na forma de crédito, mas também auferir margem de lucro, que ao final justifica o exercício daquela iniciativa empresarial.

É nisso que residiria a função do juro remuneratório cobrado pela instituição financeira junto ao mutuário – remunerar primeiramente o capital de poupador, que lhe fora transferido a título de investimento ou aplicação financeira, por taxa de juro estabelecida entre aquele e a instituição bancária e, por conseguinte, fazer frente aos próprios custos que surgem para que a sua atividade de mera intermediária possa ser exercida, bem como ao final apresente algum resultado positivo.

O ponto nodal acerca da não extensão do juro remuneratório ao mutuário, em caso de repetição de indébito, seria o fato da atividade de intermediação bancária ser legalmente permitida tão somente a instituições integrantes do sistema financeiro nacional, regulamentado e supervisionado pelo Banco Central do Brasil.

Então, o mutuário, pelo fato de não intermediar capital, ainda que tenha de perceber qualquer quantia junto à instituição bancária por decorrência de contrato de mútuo feneratício que tenha pactuado com aquela, a devolução de valores não seria acrescida de juro remuneratório, e sim de juro legal, via de regra incidente sobre relação obrigacional de cunho privado.

Pois bem, ante a relevância dos argumentos levantados de uma parte e de outra, fato é que a discussão judicial da matéria se dá num sem-número de processos, e por conta disso o STJ resolveu, então, por afetar a questão para que seja julgada em sede de recursos repetitivos.

Isso visa permitir uma discussão mais ampla e aprofundada do assunto e autoriza, inclusive, a participação da sociedade nos debates, mediante a manifestação direta de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, de modo a contribuir com o julgamento a ser proferido.

Longe de se ater à tecnicidade e percorrer uma argumentação doutrinária, cabe ressaltar que o julgamento de questões em sede de recurso repetitivo é mecanismo do processo civil que serve para unificar entendimento acerca da matéria apreciada, e o julgamento decorrente tem o efeito de vincular os demais tribunais à sua decisão, que então passa a ser de observância obrigatória por todas as instâncias do Poder Judiciário nacional.

Como se trata de julgamento definitivo que inclusive alcança todos os processos que estejam em curso, ainda pendentes de análise, a participação efetiva da sociedade, através de partes e entidades interessadas, ganha extrema relevância, na medida em que se abre a oportunidade apropriada para que estes atores também contribuam de alguma forma com argumentos que integrarão o julgamento paradigma.

Nesse contexto, se de um lado todas as ações judiciais pendentes, assim como as futuras que virão a ser propostas, têm o seu desfecho previamente estabelecido sobre determinado ponto, de outro, a oitiva de tantos quantos forem os interessados no processo que se reputará o leading case sobre determinada questão se apresenta um mecanismo democrático de atuação efetiva da sociedade brasileira no funcionamento de instituição responsável por então proferir a palavra final a respeito.

Assim, no caso específico da discussão em torno da incidência de juro remuneratório em favor do mutuário, por conta da restituição de valores supostamente devidos, e a eventual definição do percentual a ser aplicado, seguramente há contribuição de destaque a ser fornecida ao julgamento que será proferido pelo STJ, tanto pela qualidade de argumentos que possam oferecidos, quanto pela relevância e extensão que o tema em debate por si só representa.