Medida pode ser adotada sem devolução das parcelas já pagas
A falta de pagamento de prestações do financiamento pode levar os bancos a retomarem imóveis. De acordo com dados da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (Arisp), somente na cidade de São Paulo, 517 deles foram retomados ano passado, o que significa o maior número desde 2004. A previsão é de que este ano não deve ser diferente, já que, de janeiro a julho de 2015, 334 unidades foram retomadas na capital paulista, o que equivale a 64% do total registrado em todo o ano passado. Este cenário não é muito diferente no restante do país, conforme a Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH).
De acordo com o presidente da ABMH, Lúcio Delfino, um dos motivos para a retomada dos imóveis é a utilização da alienação fiduciária em contratos de financiamento ligados ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH). “Atualmente, a maioria dos contratos de financiamento são feitos com base na Lei 9.514/97, que trata da alienação fiduciária de bens imóveis. Embora tenha sido criada em novembro de 1997, sua utilização ganhou força em meados da década passada, e este é um dos primeiros reflexos dessa forma de garantia: a grande facilidade da execução da dívida e retomada do imóvel pelo banco em caso de inadimplência”, explica.
Segundo a Lei, passados 30 dias do início da inadimplência, o banco pode iniciar a execução extrajudicial do contrato. “Nessa hipótese, é obrigatória a notificação pessoal do devedor (via cartório) para pagar o débito no prazo de 15 dias. Passado esse prazo, o registro de propriedade do imóvel é transferido para o nome do banco, que, em seguida – já como novo proprietário – tem que levar o imóvel a dois leilões públicos. E se não existirem arrematantes, o imóvel fica definitivamente com o banco, em pagamento da dívida (prestações vencidas e saldo devedor)”, esclarece Delfino.
O presidente da ABMH explica que, como se trata de uma execução extrajudicial, ou seja, sem passar pelo crivo do Poder Judiciário, é possível requerer a anulação do procedimento na Justiça ou uma indenização pela diferença entre o valor real do imóvel e o valor da dívida. “Mas não é uma tarefa fácil e cada caso deve ser analisado isoladamente. A dica é não deixar que chegue nesse ponto. Se houver dificuldade no pagamento de alguma parcela, o ideal é procurar o banco ou entidade de defesa da classe e negociar, ou – numa saída mais drástica – vender o imóvel, quitar o financiamento e assim não perder tudo que investiu.”
Para os contratos do programa Minha Casa Minha Vida, ainda existe a alternativa do Fundo Garantidor, que cobre o pagamento das prestações por até 36 meses dependendo da faixa de renda. Mas existem desvantagens, conforme Lúcio Delfino. “O mutuário tem que comprovar o desemprego ou a perda da renda no momento da assinatura. Além disso, o Fundo não paga a prestação: ela é incorporada ao saldo devedor e cobrada ao final do financiamento. Ou seja: se o prazo inicial era de 240 meses e o beneficiado utilizou o fundo por 12 meses, o novo prazo será de 252, e assim por diante. É bom lembrar que sobre essas prestações incidirão os mesmos juros e correção monetária do restante do financiamento.”
O presidente da ABMH ressalta que o importante é não ficar de braços cruzados diante dos contratos que não possuem a cobertura do Fundo Garantidor. “Uma alternativa é pedir a utilização do FGTS para pagamento das prestações em atraso. Embora esta saída não seja aceita diretamente nas agências bancárias, basta que o trabalhador faça o requerimento na via judicial para conseguir o benefício e, assim, evitar a perda do imóvel.”
Parcelas pagas não são devolvidas – Além de perder o imóvel, o consumidor pode arcar com outro prejuízo: a perda dos valores pagos. De acordo com o presidente da ABMH, a lógica adota pelos agentes financeiros é a seguinte: “o banco não vende imóveis, no financiamento habitacional, o mutuário toma um empréstimo financeiro (como outro qualquer) para aquisição de um imóvel, o qual é dado em garantia da dívida. Assim, no caso de inadimplemento das prestações, o banco credor executa o débito, levando o imóvel dado em garantia a leilão. No leilão, se não houver nenhum interessado (arrematante) ou se o maior lance for menor que a dívida, não haverá nenhum valor a ser repassado ao mutuário.”
Segundo a Lei 9.514, após 30 dias do vencimento de uma ou mais parcelas, o banco pode iniciar o procedimento de execução. Entretanto, a maioria dos contratos prevê que a execução só pode começar em caso de atraso de três ou mais prestações. “Nesse caso, vale a regra mais benéfica ao consumidor. O banco não tem praticamente nenhum risco de ficar no prejuízo. Quando o imóvel vai a leilão, o valor da arrematação é utilizado para quitação integral da dívida (prestações vencidas e vincendas) e se não houver arrematante, ele fica com o bem e pode, em seguida, vendê-lo como outro imóvel qualquer.”
Direitos do consumidor
Em caso de execução da dívida através da Lei 9.514, alguns requisitos devem ser observados:
- O consumidor deve ser notificado pessoalmente para quitar a dívida no prazo de 15 dias, quando o contrato tiver mais de um titular (um casal, por exemplo), todos devem ser notificados individualmente
- O mutuário tem a possibilidade de pagar a dívida até a data do leilão (e não até o fim do prazo da notificação – 15 dias), podendo utilizar o seu FGTS
- O imóvel deve ser levado a leilão por, no mínimo, 60% de seu valor de mercado; se for arrematado por montante inferior, o leilão pode ser invalidado
- Quando o valor da arrematação for maior que a dívida, o banco deve repassar a diferença ao devedor, no prazo de cinco dias, contados da data do leilão