Independente da aprovação do PLC, Judiciário tem dado ganho de causa a mutuários que foram lesados
É comum no mercado imobiliário a previsão de um período de tolerância para a entrega de imóveis vendidos ainda em construção, no entanto, não há padronização entre as construtoras quanto à extensão desse atraso, que em alguns contratos passa de seis meses. O resultado é que o consumidor fica à mercê de abusos que prejudicam, e muito, sua vida. Para regulamentar esse prazo, está em tramitação no Senado projeto de lei complementar (PLC). Mas enquanto o Legislativo delibera sobre o assunto, o Judiciário já tem determinado a revisão desses contratos, para que as penalidades pelo descumprimento das obrigações sejam aplicadas.
De acordo com o presidente da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), Lúcio Delfino, atualmente, a legislação não regulamenta o período de tolerância para a entrega período nem define o valor da multa por descumprimento do prazo. A proposta agora é que a lei que regulamenta as incorporações imobiliárias (Lei 4591/1964) seja modificada de forma a prever o prazo máximo de 180 dias de atraso, contados da data fixada para entrega das chaves, e os percentuais de multas para quem ultrapassar esse período. Isso é o que determina o PLC 16/2015.
Se aprovado, as construtoras poderão passar a contar com um período máximo de 180 dias de atraso na entrega de obras, sem qualquer penalidade, mas, após esse prazo, poderão ser obrigadas a pagar multa mensal equivalente a 0,5% do valor até então pago pelo comprador e mais uma multa compensatória de 1% sobre o montante já quitado. “Atualmente, quando alguém compra um imóvel (ou qualquer outro produto), se obriga a pagar o preço acertado com o vendedor, à vista ou de forma parcelada. A partir daí, se houver atraso no pagamento de alguma parcela, mesmo que seja de apenas um dia, o comprador é penalizado com multa (de até 2%) e juros de mora (em geral de 1% ao mês). E se o vendedor atrasar com a entrega, não seriam cabíveis as mesmas penalidades?”, questiona Delfino.
De acordo com o presidente da ABMH, embora a resposta para a pergunta seja óbvia, a grande maioria dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis não prevê nenhuma multa para o vendedor (geralmente construtoras) em caso de atraso na entrega. “Ao contrário, além de não existir nenhuma penalidade, os contratos preveem prazos de tolerância (ou carência) de até 180 dias, são contratos que utilizam dois pesos e duas medidas diferentes para o mesmo caso de descumprimento de obrigações.”
A boa notícia para quem enfrenta, ou enfrentou, esse tipo de problema, é que o Poder Judiciário tem determinado a revisão desses contratos, para que as penalidades pelo descumprimento das obrigações sejam aplicadas a ambas as partes (compradores e vendedores). “Assim, aplicando o disposto no Código de Defesa do Consumidor, é possível pleitear a nulidade da cláusula de tolerância (ou carência) e a aplicação de multa por atraso na entrega da unidade, nos mesmos percentuais devidos pelo comprador em caso de atraso no pagamento de alguma parcela do preço, ou seja, multa inicial de 2%, mais 1% por cada mês de atraso, calculadas sobre o valor atualizado do imóvel”, completa Delfino.
Além da multa, o comprador deve ser indenizado pelas perdas e danos, incluindo danos materiais e morais, e/ou pelo que deixou de lucrar. Embora o dano material mais comum seja o pagamento do aluguel, conforme o presidente da ABMH, é possível pleitear indenização por todos os tipos de danos materiais, o que incluiu guarda móveis, transporte e até despesas médicas. “No que se refere aos danos morais, cada caso precisa ser analisado individualmente, de acordo com a vida pessoal do comprador. As hipóteses mais comuns são frustração (ou adiamento) dos planos pessoais, menor qualidade de vida, propagandas enganosas etc. O último tipo de indenização cabível se refere aos lucros não auferidos: basta pensar que o imóvel poderia estar alugado durante os meses do atraso na entrega, gerando renda ao proprietário.”
Como exemplo, Lúcio Delfino cita a sentença proferida pelo juiz da 1ª Vara Cível de Belo Horizonte, publicada no início do mês de março de 2015, referente ao empreendimento Residencial Parque do Jatobá, da Construtora Tenda. “Na decisão, o magistrado determinou pagamento de indenização por danos morais, multa pelo atraso na entrega de 2,1% por cada mês de atraso, e indenização pela impossibilidade da unidade ser habitada, no percentual de 1% por mês, ambas calculadas sobre o valor do imóvel (ação nº 0024.13.158156-3).”
Por fim, é importante lembrar que, ao invés de pedir a revisão contratual, o comprador tem a opção de desistir do imóvel. “Nessa hipótese, tem direito a receber de volta tudo que pagou, com juros e correção monetária, além de ser indenizado pelas perdas e danos, conforme já dito, inclusive o montante equivalente à valorização do imóvel”, acrescenta o presidente da ABMH.