Cuidam os autos de ação de quitação do saldo devedor por invalidez permanente, cumulada com pedido de restituição em dobro das prestações pagas indevidamente pelo mutuário. Em primeira instância, o mutuário obteve procedência de seu pedido de quitação do saldo devedor, sentença confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região nos seguintes termos:
APELAÇÃO CÍVEL N. 0038891-70.2010.4.01.3300/BA
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SEGURO HABITACIONAL. IMOVEL FINANCIADO PELO SFH. NEGATIVA DE COBERTURA SECURITÁRIA. ADVENTO DA APOSENTADORIA DO AUTOR POR INVALIDEZ PERMANENTE. PEDIDO DE LEVANTAMENTO DE PRESTAÇÕES PAGAS POSTERIORES À APOSENTADORIA E DE PAGAMENTO EM DOBRO. LEGITIMIDADE DA SEGURADORA E DA CEF.
1. A Caixa Seguradora S/A e Caixa Econômica Federal possuem legitimidade passiva para ocupar o pólo passivo de ação que busca a cobertura securitária do financiamento de imóvel adquirido pelas normas do Sistema Financeiro da Habitação e que cumula pedido de ressarcimento de prestações pagas a partir do sinistro, bem como o pagamento em dobro. Precedentes do Tribunal.
2. Não obstante o autor, na qualidade de policial federal, ter se aposentado por invalidez permanente, em face de acidente de trabalho, seu pedido de cobertura do saldo devedor pelo seguro habitacional foi recusado pela seguradora. Segundo a seguradora o autor ainda possui condições de exercer outras atividades que não a de policial, dado que as Condições Especiais da Apólice de Seguro excluem da cobertura àqueles que são passíveis de recuperação ou reabilitação.
3. A perícia realizada nos autos esclareceu que o autor jamais poderá exercer a atividade de policial, em razão das graves seqüelas advindas do acidente de trabalho. Sendo a profissão de policial que lhe dava sustento, não há que se cogitar de o autor vir a se adaptar em outra atividade profissional, ainda que o perito, sob tal ótica, tenha estabelecido que a invalidez é parcial. Nos termos do Código Civil (art. 757), na contratação do seguro, a seguradora deve garantir interesse legítimo do segurado de receber o prêmio, o qual deve se pautar, para efeito de cobertura de natureza corporal, à atividade profissional do segurado.
4. Correção, de ofício, da sentença para delimitar a incidência do seguro à data de publicação da aposentadoria, conforme requerido pelo autor, em detrimento da data fixada na sentença correspondente ao acidente, sob pena de julgamento extra petita. O autor possui o direito de compensar os pagamentos indevidos das prestações com o saldo residual do financiamento, equivalente à parte de comprometimento do cônjuge virago.
5 Pagamento em dobro afastado, porquanto não houve má-fé do agente financeiro quanto à exigência das prestações antes do reconhecimento da sua invalidez pela seguradora. Por outro lado, não comprovada a má-fé da seguradora, que negou o seguro com base nas disposições das Condições Especiais da Apólice de Seguro, não cabe o arbitramento da penalidade. Precedentes jurisprudenciais sobre o tema.
6. Apelações das rés às quais se dá parcial provimento.
ACÓRDÃO
Decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por
unanimidade, dar parcial provimento à apelação da Caixa Seguradora S/A e à apelação da CEF,
nos termos do voto da relatora.
Brasília – DF, 21.11.2012.
A Exma. Sra. Desembargadora Federal SELENE ALMEIDA (Relatora):
Trata-se de apelações interpostas pela Caixa Seguradora S/A e Caixa Econômica Federal em face de sentença, proferida em ação de rito ordinário, na qual foi acolhido parcialmente o pedido de (…) e (…), de cobertura do seguro do imóvel, adquirido pelo SFH, em decorrência da invalidez do primeiro autor, e de pagamento em dobro das prestações pagas e não alcançadas pela cobertura securitária.
Alega a Caixa Seguradora, nas razões de apelação, que: a) os riscos passíveis de cobertura pelo seguro são tão-somente aqueles definidos na apólice de seguro (cláusula 5ª), conforme orientam os arts. 757 e 760, ambos do Código Civil; b) a perícia realizada nos autos definiu que a invalidez do autor é parcial, o que afasta a cobertura pretendida, não podendo o juiz fazer interpretação ampliativa do parecer técnico, para estabelecer que a incapacidade do autor é total para o exercício de outras atividades, que não seja a de policial federal; c) não pode dar cumprimento à determinação de repetição do indébito, pois não é o agente financeiro do contrato e não foi o responsável pelo recebimento das prestações, sendo tal ônus da CEF; d) não é devida a sanção de pagamento em dobro, pois sequer há previsão de cobertura securitária para invalidez parcial, o que afasta, de conseqüência, a existência de pagamento indevido ou má-fé do credor.
Requer a reforma da sentença e, no caso de sua manutenção, que haja manifestação expressa acerca da vigência dos arts. 757, 760, 765 e 766, todos do Código Civil.
A CEF, por sua vez, sustenta: a) ser parte ilegítima para cumprir a determinação de cobertura securitária, pois atua apenas na cobrança e repasse à seguradora das parcelas mensais do seguro; b) inexistência do direito de cobertura securitária, em razão de a perícia atestar que a incapacidade do autor é parcial, o que elide, inclusive, a aposentadoria concedida pelo órgão empregador; c) ser hipótese de sucumbência recíproca, pelo fato de o autor ter decaído de parte do pedido, o que demanda a compensação da verba honorária, nos termos do art. 21 do CPC.
Requer a reforma da sentença.
Contrarrazões apresentadas pelo autor.
É o relatório.
DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA
VOTO
A Exma. Sra. Desembargadora Federal SELENE ALMEIDA (Relatora):
A controvérsia foi decidida na sentença nos seguintes termos:
-DA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CEF
Imbricado ao pedido de cobertura securitária foi formulado o pedido de amortização do saldo devedor cuja relação obrigacional refere-se aos mutuários e a Caixa Econômica Federal. Ademais, a CEF é a estipulante no contrato do Seguro em comento.
Em vista do exposto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva argüida pela Caixa Econômica Federal.
– DO MÉRITO
A Cláusula Vigésima Primeira do Contrato de Mútuo combinada com o item 5.1.2 das Condições Particulares da Apólice Habitacional asseguram dentre riscos cobertos pelo seguro a invalidez permanente do segurado (no caso, beneficiário), como tal considerada “a incapacidade total e definitiva para o exercício da ocupação principal e de qualquer outra atividade laborativa, causada por acidente ou doença, desde que ocorrido o acidente ou adquirida a doença que determinou a incapacidade, após a assinatura do instrumento contratual com o Estipulante”.
A negativa da Cobertura Securitária se fundamenta na alegação de que “o quadro apresentado não caracteriza o estado de invalidez total para o exercício e toda e qualquer atividade laborativa” (fls.33)
Neste ponto, porém, não obstante a perícia médica afirme que a incapacidade do autor é permanente porém parcial, ressalta ser pouco provável a reabilitação do mesmo para outra atividade que lhe garanta a subsistência (fl.236).
Tal assertiva é ratificada pela Aposentadoria concedida pelo órgão empregador, nos termos da Portaria nº 1850 de 26 de agosto de 2009(fl.27).
Assim, certo é que se houvesse a possibilidade do autor ser reabilitado para exercer funções administrativas teria sido aproveitado dentro do próprio órgão, o que não ocorreu.
Por este prisma, sobrepondo-se ao laudo pericial dos autos há de se reconhecer a incapacidade total do autor para toda e qualquer atividade em decorrência da concessão de aposentadoria por invalidez.
Neste sentido a jurisprudência assente sobre o tema, ilustrada no acórdão abaixo ementado:
…………………………………………………………………………………………………………
No presente caso, todavia, a cobertura securitária deve-se limitar ao percentual de comprometimento de renda do mutuário varão, qual seja 75,10% do valor do saldo devedor na data do sinistro: 23/09.2008.
Via de conseqüência, só se configurará cobrança indevida, passível de devolução em dobro, os valores que venham a ultrapassar os 24,90% não cobertos pela indenização do seguro na data do sinistro.
No tocante ao pedido de indenização por dano moral, por sua vez, tem-se que estando em aberto o pagamento de prestações (correspondentes aos 24,90% do saldo devedor não coberto pelo seguro) não se afiguram indevidas as cobranças efetuadas no ano de 2009 até fevereiro de 2010. Assim, não há que se falar em transtorno de ordem moral passível de indenização, não obstante o abalado estado de saúde do autor.
III – CONCLUSÃO
De todo o exposto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva da CEF e resolvo o mérito da ação nos termos do art. 269, I, do CPC julgando PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO para determinar a incidência do seguro contratado e a quitação do percentual de 75,10% do saldo devedor da data do sinistro (23/09/2008 mediante indenização securitária, bem como sejam os réus condenados a devolver em dobro o valor das prestações pagas que ultrapassem o percentual de 24,90% não alcançado pela cobertura securitária, corrigidos monetariamente a partir do pagamento indevido e acrescidos de juros de 1% a partir da citação.
Condeno a parte ré ao pagamento de custas e honorários advocatícios, que fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), pro rata.
DAS PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DAS RÉS.
As preliminares suscitadas pela Caixa Seguradora e Caixa Econômica Federal não prosperam, tendo em vista que o pedido deduzido nos autos envolve obrigação de cobertura securitária de imóvel adquirido pelas normas do Sistema Financeiro da Habitação, do qual a CEF participa como estipulante do seguro.
Há, também, pedido de devolução do pagamento das prestações habitacionais referente ao período em que o autor considera desonerado da obrigação, em face de sua aposentadoria por invalidez permanente. É evidente que tanto a seguradora quanto a empresa pública detêm legitimidade para ocupar o pólo passivo da ação, nos limites estabelecidos no contrato de financiamento e nas condições especiais da apólice de seguro.
A jurisprudência deste Tribunal orienta nesse mesmo sentido.
Cito, exemplificativamente, o seguinte julgado:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO ( SFH ). FINANCIAMENTO HABITACIONAL. COBERTURA SECURITÁRIA POR INVALIDEZ PERMANENTE. NEGATIVA DA CEF EM DAR QUITAÇÃO E LIBERAR O IMÓVEL DA HIPOTECA. INADIMPLÊNCIA DA MUTUÁRIA COM ELEVADO NÚMERO DE PRESTAÇÕES. LEGITIMIDADE PASSIVA SEGURADORA.
1. Não se conhece de agravo retido se não reiterado o pedido nas razões de apelação, consoante o disposto no art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil.
2. A CEF tem legitimidade para figurar no polo passivo de ação em que se pleiteia a cobertura securitária para quitação do financiamento, por ser responsável pela prática do ato, além de representar o mutuário perante a seguradora, o que não afasta, todavia, a legitimidade desta última (Precedentes).
3. Este Tribunal, em consonância com o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, decidiu que “ao beneficiário do seguro não se aplica a prescrição prevista no art. 178, parágrafo 6º, inciso II, do Código Civil de 1916 (correspondente ao art. 206, § 1º, II, do novel Código Civil), que dispõe sobre a ação do segurado (a empresa estipulante) contra o seguradora” (AC 0000536-16.2005.4.01.3801/MG – Relator Juiz Federal
David Wilson de Abreu Pardo (conv.) – Quinta Turma – e-DJF1 de 03.12.2010, p. 237)
4. Tem direito à quitação total do saldo devedor do contrato de financiamento habitacional, mediante a cobertura securitária , assim como a respectiva liberação da hipoteca, o mutuário que veio a ser aposentado por invalidez permanente, devidamente comprovada nos autos.
5. Contudo, as prestações em aberto com vencimentos anteriores a data da comunicação do sinistro “são, de fato, de responsabilidade do mutuário, devendo ser pagas pela mesma antes da baixa da hipoteca” (AC 2004.35.00.017361-9/GO – Relator Juiz Federal Avio Mozar Jose Ferraz de Novaes – Quinta Turma – e-DJF1 de 21.05.2008, p.156 – grifos nossos).
6. Hipótese, contudo, em que a mutuária está inadimplente com o pagamento de 162 prestações, devendo a liberação da hipoteca ser condicionada a quitação desses encargos.
7. Sentença confirmada.
8. Agravo retido não conhecido.
9. Apelação da CEF provida, em parte.
(AC 2007.35.00.021416-0 / GO, Relator Juiz Federal Cesar Augusto Bearsi – Convocado, Sexta Turma, 18/01/2012 e-DJF1 P. 172)
DO MÉRITO.
Versam os autos sobre pedido de cobertura securitária de imóvel financiado pelo SFH junto à CEF, especificado no contrato de fls. 37-50, adquirido pelo autor Márcio Alan de Lima Prata e sua esposa Lanara Guimarães de Souza, em 3.11.2006, em razão da recusa de cobertura por parte da Caixa Seguradora.
O pedido do autor pautou-se no evento de sua aposentadoria por invalidez permanente e a seguradora, invocando a legislação civil e dispositivos constantes das Condições Especiais da Apólice de Seguro Habitacional (cláusulas 5ª e 8ª), bem como a perícia realizada nos autos, defende que a invalidez é parcial, o que afastaria a quitação pretendida.
Na hipótese de reconhecimento do direito de quitação, impende ainda analisar o pedido de pagamento dobro (art. 940 do Código Civil) das prestações do financiamento que foram pagas à CEF após o pedido feito à seguradora.
De acordo com a petição inicial e dados constantes dos autos, o autor, na condição de Agente de Polícia Federal, cargo que já exercia há dez anos, em decorrência de acidente de serviço, foi aposentado por invalidez permanente, nos termos do art. 186, inciso I e § 1º da Lei 8.112/90, cujo ato administrativo foi publicado em 28.8.2009 no DOU (fl.27).
O dispositivo legal que embasou a aposentadoria é do seguinte teor:
Art. 186. O servidor será aposentado:
I – por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei, e proporcionais nos demais casos;
II – compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de serviço;
III – voluntariamente:
a) aos 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, e aos 30 (trinta) se mulher, com proventos integrais;
b) aos 30 (trinta) anos de efetivo exercício em funções de magistério se professor, e 25 (vinte e cinco) se professora, com proventos integrais;
c) aos 30 (trinta) anos de serviço, se homem, e aos 25 (vinte e cinco) se mulher, com proventos proporcionais a esse tempo;
d) aos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e aos 60 (sessenta) se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de serviço.
§ 1o Consideram-se doenças graves, contagiosas ou incuráveis, a que se refere o inciso I deste artigo, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, paralisia irreversível e incapacitante, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante), Síndrome de Imunodeficiência Adquirida – AIDS, e outras que a lei indicar, com base na medicina especializada.
§ 2o Nos casos de exercício de atividades consideradas insalubres ou perigosas, bem como nas hipóteses previstas no art. 71, a aposentadoria de que trata o inciso III, “a” e “c”, observará o disposto em lei específica.
§ 3o Na hipótese do inciso I o servidor será submetido à junta médica oficial, que atestará a invalidez quando caracterizada a incapacidade para o desempenho das atribuições do cargo ou a impossibilidade de se aplicar o disposto no art. 24. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
(grifei)
Por outro lado, são as seguintes as cláusulas das Condições Especiais da Apólice de Seguro Habitacional transcritas pela seguradora na peça de apelação:
CLÁUSULA 5ª – RISCOS COBERTOS DE NATUREZA CORPORAL
Acham-se cobertos por este seguro os seguintes riscos de natureza corporal:
c) Morte do segurado pessoa física, qualquer que seja a causa, por acidente ou doença, ressalvado o disposto na cláusula 8ª – Riscos Excluídos de Natureza Corporal – item 8.1 alínea “a”.
d) Invalidez total e permanente do segurado, como tal considerada aquela para a qual não se pode esperar recuperação ou reabilitação com os recursos terapêuticos disponíveis no momento da sua constatação, causada por acidente ou doença, desde que ocorrido o acidente, ou contraída a doença que determinou a incapacidade, após a assinatura do instrumento contratual de financiamento com a estipulante.
CLÁUSULA 8ª – RISCOS EXCLUÍDOS DE NATUREZA CORPORAL
8.1 Acham-se excluídos da cobertura do presente seguro os seguintes riscos de natureza corporal:
a) A morte resultante, direta ou indiretamente, de acidente ocorrido ou de doença adquirida antes da data da assinatura do contrato de financiamento desde que venham a causar o óbito do segurado nos 12 (doze) primeiros meses de vigência do contrato de financiamento.
b) A invalidez temporária total ou parcial do segurado, despesas médicas e hospitalares em geral.
c) A invalidez, mesmo que total e permanente, resultante, direta ou indiretamente, de acidente ocorrido, ou de doença comprovadamente existente antes da data da assinatura do contrato de financiamento.
d) A morte ou a invalidez total e permanente quando, na data da sua ocorrência, o segurado tiver mais de 80 (oitenta) anos, salvo nos casos de renegociação do saldo residual do financiamento,
autorizada por lei ou normativo da estipulante, prevista no contrato original de financiamento e averbada na apólice.
e) Qualquer outro risco não mencionado na cláusula 5º destas condições.
8.2 Na hipótese a que alude o item 8.1 alínea “a”, o seguro deverá ser cancelado a partir da data do óbito do financiado, sendo ele o único segurado, ou mantido, com o limite máximo de garantia para a cobertura de danos corporais ajustado proporcionalmente à participação dos demais financiados segurados expressa no contrato de financiamento.
(grifos já existentes)
Não obstante as condições especiais da apólice do seguro habitacional ter especificado a invalidez total e permanente do segurado como sendo aquela sobre “a qual não se pode esperar recuperação ou reabilitação”, referido conceito não pode se desvincular da realidade da ocupação profissional do segurado.
Com efeito, muito embora tal redação permita estabelecer a possibilidade de que o segurado mesmo tendo sido aposentado por invalidez venha a exercer outra atividade no futuro, que não seja a formação para a qual o segurado se preparou ao longo da vida, não é esse o espírito que norteia o ordenamento jurídico, no que tange à contratação de seguros.
Nesse aspecto, considero que a apólice confere desproporcional vantagem à seguradora, o que afasta a alegada ofensa aos dispositivos do Código Civil (arts. 757,760,765 e 766). Aliás, o próprio art. 757 garante que os legítimos direitos dos segurado serão resguardados pelo segurador.
Confira-se a redação do mencionado artigo:
Art.757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.
Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.
(grifei)
Assim, tendo sido o autor considerado permanentemente inválido para o seu trabalho como policial federal não há que se cogitar de uma eventual atuação profissional e que, diante dessa possibilidade remota, a seguradora fique isenta da obrigação de quitar o financiamento, dentro dos limites de abrangência do contrato.
No que se refere ao laudo pericial, dentro deste mesmo raciocínio, não se vislumbra que a invalidez do autor seja parcial. Isto porque as rés destacam trechos do laudo e respostas do perito aos quesitos por ela apresentados que prestigiam o ponto de vista por ela defendidos.
Aliás, é possível verificar pelas descrições do perito que o episódio que acarretou a invalidez do autor o atingiu tanto fisicamente como emocionalmente, sendo certo que ele além da privação do exercício da atividade de policial federal, também, está impossibilitado do exercício de outras atividades físicas.
Para melhor elucidação da questão transcrevo alguns trechos do laudo pericial (fls.235-237):
Eu, Eduardo Henrique de Queiroz Sampaio, CREMEB nº 10.331, Perito Médico deste Juizado, em cumprimento à determinação para atuar neste Processo, passo a relatar como segue:
Paciente do sexo masculino, 37 anos, aposentado por regime próprio da Polícia Federal desde 2009. Sofreu acidente de trabalho em 2008, sendo alvejado por PAF em varias partes do corpo, permanecendo hospitalizado
por 06 (seis) meses. As lesões ocorreram em antebraço direito, abdômen, quadril direito e perna direita, sendo as que atualmente permanecem: mínima redução da supinação do antebraço (movimento de girar a mão com a palma para cima); e extensa perda muscular em panturrilha direita, com grande cicatriz atrófica, déficit da extensão e flexão do pé, e equinismo do tornozelo direito por encurtamento do tendão de Aquiles. Tal lesão é definitiva e permanente, o que determina o uso de muleta unilateral. Sofreu depressão por perda de sua capacidade laborativa como policial federal, uma vez que a exercia por 10 (dez) anos e foi tratado com medicamentos, hoje não mais em uso. Possui 3º grau completo.
Sobre os quesitos do Juízo (fls.196-197) destaco as seguintes perguntas e respostas:
1) Diante dos exames realizados, pode-se afirmar que o (a) autor é incapaz para o trabalho?
R) De forma parcial, para atividades pesadas ou moderadas ou outras que demandam longas caminhadas, direção de veiculo, operação de máquinas ou permanência em ortostase por longos períodos. Está adstrito a atividades vocacionais, de ensino ou administrativas, em escritório ou condições similares.
2) Tal incapacidade é total ou parcial? É definitiva ou pode ser revertida mediante tratamento adequado? O Sr. Perito deverá explicitar os limites da incapacidade.
R) Parcial, porém permanente e definitiva. Deambula com muleta unilateral por conta da lesão descrita no corpo do Laudo Pericial, com limitações funcionais relacionadas à deambulação ou locomoção sem órtese de apoio.
Para a atividade habitual. É possível, porém pouco provável.
3) A incapacidade, se existente, é decorrente de alguma doença ou lesão ou do agravamento ou progressão destes?
R) Decorre de lesões sofridas durante atividade laborativa.
4) A incapacidade, se existente, é para qualquer atividade laboral ou apenas para a atividade habitual da parte autora? É possível a reabilitação para outra atividade que lhe garanta a subsistência?
5) É possível afirmar a data, ao menos aproximada, em que ocorreu a incapacitação?
6) Informar os comentários e complementações pertinentes.
Sobre estas últimas perguntas foram feitas as seguintes observações:
R. 2008. Nota-se que o autor apresenta-se desgostoso com a sua condição, uma vez que sempre exerceu a atividade de policial federal de campo de forma ativa, tendo feito desta a sua expectativa de vida ideal; tendo sido alijado de tal, de forma abrupta, e cursando com lesão permanente que o incapacita não somente para sua atividade escolhida, mas também para atividades físicas ou desportivas, e estando condenado ao uso de muleta em caráter definitivo, é natural que sofra as agruras pessoais e sociais que sua nova condição lhe imputa.
Sobre os quesitos da seguradora, destaco os seguintes trechos:
7) O trauma constatado foi capaz de ensejar a impossibilidade de exercício temporário das atividades laborativas do Autor?
R. O trauma determinou impossibilidade definitiva em exercer a atividade laborativa habitual do autor.
8) Caso positivo, a partir de qual data o Autor poderá voltar a exercer suas atividades laborativas?
R. Como policial federal, jamais – tanto que foi aposentado por invalidez para a função.
As demais perguntas e respostas que se seguiram prestigiaram o critério de indução da seguradora de que a incapacidade total declarada pelo órgão previdenciário ou securitário privado não é necessariamente a realidade que se constata para a finalidade de identificar a condição incapacitante do segurado visando à cobertura securitária.
Como já foi ressaltado acima, tal interpretação não constitui parâmetro para afastar a invalidez total que acomete o autor e que lhe dá direito à cobertura parcial do saldo devedor de seu imóvel, pois ficou bem evidente na perícia de que o autor jamais exercerá a sua atividade laborativa como policial federal.
A sentença considerou que o valor do financiamento a ser considerado é da data do sinistro, em 23.9.2008, contudo, a publicação da Portaria do ato de aposentadoria do autor é de 28.8.2009, quando efetivamente foi declarada a sua invalidez. É desta data, portanto, que o autor fica eximido de pagar as prestações do financiamento, dentro da cota que lhe compete.
Aliás, o próprio autor pleiteou a quitação das obrigações contratuais a partir de 28.8.2009, devendo a sentença ser corrigida nesse ponto, sob pena de julgamento extra petita. Assim, o autor fica desonerado dos pagamentos que foram exigidos a partir desta data, no limite da sua cota de participação contratual, já declinada na sentença em 75,10%.
A sentença deve ser corrigida, também, na parte em que determinou o pagamento em dobro, relativamente ao valor das prestações pagas que ultrapassem o percentual de 24,90% (percentual de comprometimento de renda da esposa). Na ocasião, ainda não estava reconhecido o direito à cobertura do seguro e a cobrança das prestações pelo agente financeiro era uma conseqüência normal do contrato de financiamento.
Por outro lado, sendo questionável o pagamento do sinistro em razão das cláusulas estabelecidas nas Condições Especiais da Apólice de Seguro, não se vislumbra que tenha havido má-fé da Caixa Seguradora S/A para que fosse aplicada a penalidade.
O entendimento uníssono deste Tribunal e dos STJ é no sentido de que a restituição em dobro, de que trata o Código Civil (art. 940), só é devida em caso de má-fé.
Nesse sentido:
Bancário e processo civil. Agravo no recurso especial. Contrato bancário de abertura de crédito. Juros remuneratórios. Capitalização dos juros. Juros moratórios. Compensação/repetição de indébito. Inclusão do nome do devedor em cadastro de inadimplentes. – Nos termos da jurisprudência do STJ, não se aplica a limitação da taxa de juros remuneratórios em 12% ao ano aos contratos de abertura de crédito e empréstimo. – Nos contratos bancários celebrados após à vigência da Medida Provisória nº 1.963-17/2000 (reeditada sob o nº 2.170/36), admite-se a capitalização mensal de juros, desde que pactuada. – Nos termos da jurisprudência do STJ, não se aplica a limitação da taxa de juros moratórios em 1% ao ano, fundamentada no art. 5º da Lei de Usura, aos contratos de abertura de crédito e empréstimo. – Admite-se a repetição de indébito, independentemente da prova de que o pagamento tenha sido realizado por erro, com o objetivo de vedar o enriquecimento ilícito do banco em detrimento do devedor. Porém, para ocorrer em dobro, deve haver inequívoca prova de má-fé. Precedentes. – A simples discussão judicial do
débito não impede a inclusão do nome do devedor em cadastros de inadimplentes. Precedentes. Súmula 83/STJ. Agravo no recurso especial a que se nega provimento.
(AGRESP 200700053261, Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ DATA:29/06/2007 PG:00623)
DIREITO CIVIL. PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE POR MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. RESTITUIÇÃO EM DOBRO COM BASE NO CDC. IMPOSSIBILIDADE. I – A jurisprudência das Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ é firme no sentido de que a repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, pressupõe tanto a existência de pagamento indevido quanto a má-fé do credor. II – No caso, a iniciativa da empresa ré de reajustar as prestações do seguro saúde, com base na alteração da faixa etária, encontra-se amparada em cláusula contratual – presumidamente aceita pelas partes -, que até ser declarada nula, gozava de presunção de legalidade, não havendo razão, portanto, para se concluir que a conduta da administradora do plano de saúde foi motivada por má-fé. Recurso Especial provido.
(RESP 20060164233, Relator Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, Terceira Turma, DJE DATA:23/08/2010 RSTJ)
CIVIL E PROCESSO CIVIL. EMBARGOS À MONITÓRIA. COBRANÇA INDEVIDA. PAGAMENTO EM DOBRO. MÁ-FÉ NÃO CARACTERIZADA. 1. A aplicação da penalidade estabelecida no artigo 1.531 do CC/16 e artigo 940 do atual Código Civil, somente é aplicável quando demonstrada conduta maliciosa do credor. Precedentes do TRF. 2. Não se reconhece a má-fé da parte credora vez que demonstrada a existência da dívida e que a parte ré efetuou o pagamento do débito após a propositura da ação monitória, de modo que descaracterizada a cobrança de dívida paga. 3. Dá-se provimento ao recurso de apelação.
(AC 200938000035302, Relator Juiz Federal Rodrigo Navarro de Oliveira – Convocado, sexta Turma, e-DJF1 DATA:01/10/2012 PAGINA:91)
CONSTITUCIONAL E CIVIL. AJUIZAMENTO INDEVIDO DE EXECUÇÃO FISCAL PARA COBRANÇA DE DÉBITO INEXISTENTE. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ART. 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E PAGAMENTO EM DOBRO DO VALOR COBRADO. DESCABIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO. I – O mero ajuizamento de ação de execução fiscal, para cobrança de débito já pago, não caracteriza, por si só, a responsabilidade civil objetiva do Estado, a autorizar a indenização por danos morais, mormente quando sequer sinalizada a sua ocorrência, como no caso, não se caracterizando, assim, o dever de indenização, nos termos do § 6º, do art. 37, da Constituição Federal. II – O ressarcimento em dobro, previsto no art. 940 do Código Civil (1.531 do CC/1916), reclama a demonstração de ocorrência de má-fé, dolo, ou malícia da credora quanto à cobrança indevida da dívida (Súmula 159/STF), hipótese não ocorrida, na espécie. III – Apelação desprovida. Sentença mantida.
(AC 200434000440599, /Relator Desembargador Federal Souza Prudente, Sexta Turma, e-DJF1 DATA:23/06/2008 PAGINA:166)
No caso, é de se reconhecer que são indevidos os pagamentos das prestações do financiamento, no limite de participação do autor, relativamente ao período posterior a 28.8.2009, cabendo à CEF individualizar tais pagamentos e fazer o devido abatimento do saldo devedor residual (correspondente à cota do cônjuge virago), considerando o saldo devedor existente na mencionada data. Fica afastada, de conseqüência, a correção monetária e juros de mora fixados na sentença.
Fica mantida a verba honorária de R$ 2.000,00, uma vez que o autor decaiu apenas de parte de seu pedido, sendo a hipótese de incidência do parágrafo único do art. 21 do CPC.
Ante o exposto, dou parcial provimento às apelações da Caixa Seguradora e Caixa Econômica Federal para afastar a condenação do pagamento em dobro e retifico, de ofício, a data de incidência da cobertura securitária para 28.8.2009, data esta que se tomará como referência para o abatimento das prestações pagas indevidamente do saldo residual do financiamento.
É como voto.
DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA