Fonte: Época Negócios
Mesmo com a profundidade da crise – atividade em baixa e desemprego em alta (11,8% no trimestre entre junho e agosto) –, a diretoria do Banco Central (BC) vê uma forte resistência em alguns preços, especialmente de serviços. Isso pode dificultar a queda de juros no futuro próximo. A análise faz parte da ata da reunião da semana passada, que decidiu, por unanimidade, cortar os juros pela primeira vez desde 2012, para 14% ao ano. A ata foi publicada nesta terça-feira (25).
O documento não detalha quais itens no setor de serviços parecem mais ameaçadores. Limita-se a afirmar que a pausa na queda de preços, caso continue, atrapalha a redução dos juros. “Uma maior persistência inflacionária requer persistência maior da política monetária”, diz a ata. O documento deixa claro que a autoridade monetária considera mais forte a possibilidade de diminuir o ritmo dos cortes de juros, no futuro próximo, do que de acelerá-lo. O cenário mais provável, no momento, como indica a ata e como aposta o mercado financeiro, é de novos cortes de 0,25 ponto percentual.
De acordo com a ata, o BC detectou “sinais de uma pausa recente” na desaceleração da inflação em alguns itens – e justamente naqueles “mais sensíveis ao ciclo econômico e à política monetária”, ou seja, aqueles cujos preços deveriam estar caindo (ou, ao menos, parados) por causa da crise econômica e dos juros altos. Em setembro, a inflação parecia ter desacelerado com força – recuara de 0,44% para 0,08% por mês, segundo o IPCA divulgado em 7 de outubro (com preços coletados até 28 de setembro). A divulgação seguinte, do IPCA-15, em 21 de outubro (com preços coletados até 13 de outubro), foi menos animadora. O recuo foi modesto, de 0,23% para 0,19%. No IPCA de setembro, habitação e vestuário foram os itens que mais encareceram. No IPCA-15 de outubro, os vilões foram habitação e transporte.
Recentemente, durante a Olimpíada, subiram os preços de alguns serviços como passagens aéreas e preços de hotéis. Mas eles caíram após o evento esportivo. Já os preços de restaurantes subiram menos do que em meses anteriores, graças à queda no preço de alimentos.
O presidente do BC, Ilan Goldfajn, destacou o progresso no combate à inflação e lembrou como é difícil retomar controle dos preços, depois que se permite que eles disparem. “A desinflação está acontecendo. Poderia ser mais que 4% a queda [de cerca de 11% em 2015 para cerca de 7% em 2016], mais rápido ainda? Talvez. Mas aí precisaríamos ter uma economia com menos indexação. Nós, hoje, quando olhamos a mensalidade escolar, ela sobe com a inflação, nós temos vários cursos, aluguéis, salário, tudo sobe com a inflação passada. Então, uma vez que a inflação sobe no Brasil, para baixar, é bem mais difícil”, afirmou Goldfajn, em entrevista à GloboNews.
Na ata, o BC afirma “haver espaço para a flexibilização gradual e moderada da política monetária” – ou seja, baixar os juros de forma gradual e moderada. Ao mesmo tempo, pondera que as projeções atuais sugerem “limites”. Segundo projeções coletadas pelo BC, o mercado financeiro espera que a inflação entre dentro da faixa da meta (abaixo de 6,5%) no ano que vem, mas que continue acima do centro da meta (4,5%) em 2017 e 2018.
“De forma geral, foram mantidos os termos mais duros do comunicado posterior à reunião, com o BC afirmando que o esforço fiscal traz reflexos importantes sobre a desinflação que deu sinais de pausa recentemente”, diz, em relatório, Álvaro Bandeira, economista-chefe da corretora ModalMais. Para catalisar o processo de retomada da atividade, alguns economistas, como Samuel Pessoa e Felipe Salto, defendem um ciclo de cortes mais acelerado.
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Em 2015, os preços de serviços subiram 8,10%. Neste ano, acumulavam alta de 7,04% em 12 meses até setembro. Com o desemprego em alta, poderão cair para 5% no ano que vem, no melhor dos cenários. Apesar disso, a velocidade pode ficar aquém da esperada pelo BC. Para evitar o pior cenário, o resto do governo deveria agir de forma coordenada com o BC e combater a indexação de preços.
Outro ponto de incerteza é o ajuste fiscal, cujo pilar principal é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que impõe um teto para o gasto da União. O BC reconhece que houve avanços na área, mas diz que a natureza “longa e incerta do processo” sugere haver nele, ao mesmo tempo, “risco e oportunidade”. Nesta terça-feira, a Câmara passou a avaliar em segundo turno a PEC 241, que, se aprovada com ao menos 308 votos, deve seguir para o Senado.