Dados do IBGE divulgados este mês apontam que o Brasil tem, atualmente, 22,7 milhões de pessoas desempregadas, subocupadas ou inativas. Para se ter uma ideia dessa dimensão, esse número é maior do que toda população do Chile (17 milhões) e o dobro dos habitantes de Portugal (10 milhões). Uma das consequências desse cenário é o não pagamento de dívidas que podem comprometer, e muito, a qualidade de vida de boa parte da população. A principal delas é, sem dúvida, o financiamento habitacional, o que pode levar o mutuário a perder o imóvel.
Infelizmente, essa possibilidade é real e pode ocorrer rapidamente. Segundo a Lei 9.514/97, que regulamente a alienação fiduciária de bens imóveis no Brasil, a partir da primeira parcela vencida e não paga, o credor pode iniciar o procedimento de execução extrajudicial do contrato de financiamento, como conta o presidente da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), Lúcio Delfino. “Entretanto, se houver previsão contratual diferente, vale a regra mais benéfica ao consumidor. A maioria dos contratos prevê que a execução se iniciará a partir da terceira parcela em atraso”, acrescenta.
Um dos motivos para a retomada dos imóveis é a utilização da alienação fiduciária, um modelo de garantia da dívida por propriedades, móveis ou imóveis, que – em caso de atraso no pagamento das prestações mensais – se baseia na transferência de bens como pagamento de uma dívida, a partir de um contrato firmado entre o credor e o devedor. “A alienação fiduciária é utilizada pelo sistema financeiro como forma de garantia do pagamento de empréstimos de dinheiro. O mecanismo foi implantando no Brasil em 1997, com a Lei 9.514, e ganhou força nos anos 2000. Atualmente, além do financiamento para aquisição do próprio imóvel, o proprietário de unidade livre de quaisquer ônus pode oferecê-la em garantia de pagamento de empréstimo financeiro de qualquer natureza (empréstimo pessoal por exemplo)”, explica Delfino.
De acordo com o presidente da ABMH, nesse sistema, os direitos de propriedade são desmembrados. O consumidor tem a posse direta do imóvel (pode fruir, usar e gozar), enquanto o credor financeiro tem a posse indireta do bem (que consiste no direito de dispor do imóvel). “Trocando em miúdos, o mutuário pode utilizar a unidade como quiser, inclusive alugar ou emprestar (respeitadas as limitações legais, tais como os direitos de vizinhança e as regras condominiais), mas não tem o direito de aliená-la, ou seja, não pode vender, doar, partilhar ou a oferecer como garantia de algum empréstimo, por exemplo”, esclarece.
A constituição da alienação fiduciária é feita automaticamente, quando o comprador assina o contrato de compra e venda com financiamento imobiliário do imóvel, ou o contrato de empréstimo com garantia de alienação fiduciária. “A partir daí, se atrasar com o pagamento de alguma prestação, o credor pode iniciar o procedimento de execução extrajudicial do débito”, alerta Delfino.
Antes que a situação chegue neste ponto, o presidente da ABMH aponta que uma das alternativas é tentar negociar a dívida. Caso não haja essa possibilidade, o mutuário pode solicitar uma revisão do valor das prestações na via judicial, para que se adéque à sua realidade financeira. “O mais importante em todos os casos é tomar alguma atitude o mais breve possível.”
Se o caso chegar à execução, a instituição credora tem a obrigação de notificar o devedor pessoalmente a pagar o débito em 15 dias, como ressalta o presidente da ABMH. “Findado este prazo, a propriedade do imóvel é transferida para o nome do credor financeiro, que, em seguida, é obrigado a levar o bem a pelo menos dois leilões públicos. Se a unidade não for arrematada em algum dos leilões, o credor fica com ela e a dívida é integralmente quitada.”
Além dessas obrigações, o procedimento de execução (e leilão) deve observar alguns requisitos, sob pena de ser declarado nulo. Quando o financiamento/empréstimo é tomado por mais de uma pessoa (um casal por exemplo), todos os devedores devem ser notificados pessoalmente para pagar a dívida em 15 dias. “Além da notificação inicial, o devedor – ou devedores – deve ser notificado sobre as datas dos leilões, e o imóvel não pode ser levado a leilão preço inferior a 60% de sua avaliação de mercado. Após os leilões, o credor deve repassar ao devedor a diferença entre o valor da arrematação e da dívida. Se não houve arrematante, pode-se pleitear a devolução da diferença entre o valor de mercado e da dívida”, completa Delfino.
Para evitar que o imóvel seja levado a leilão, uma das alternativas é a utilização do FGTS para pagamento da dívida. “Neste caso, é necessária uma autorização judicial, que pode ser conseguida até mesmo pelo Juizado de Pequenas Causas, já que, amigavelmente, a instituição financeira não autoriza a operação. Outra alternativa é vender o imóvel e quitar a dívida, hipótese em que o devedor fica com a diferença entre o valor da venda e do débito. Em terceiro lugar, a saída é propor uma ação judicial para suspender o procedimento de execução”, aponta o presidente da ABMH.
“Quanto mais avançado está o procedimento de execução, mais difícil é suspendê-lo. De toda forma, mesmo após a conclusão da execução, é possível anulá-la ou, pelo menos, requerer a devolução do valor correspondente à diferença entre o valor do bem e do débito. A ABMH presta consultoria jurídica gratuita aos que passam por essa situação,” informa.
Todas as regras descritas na Lei 9.514/97 também se aplicam aos contratos vinculados ao Programa Minha Casa Minha Vida. “O que diferencia esses contratos dos demais são situações específicas de concessão do financiamento, tais como valor do imóvel, renda do mutuário, responsabilidade direta da Caixa pelo empreendimento e concessão de recursos, bem como os benefícios que são concedidos pelo governo para fomentar a habitação no país. Os requisitos são pré-contratuais. Uma vez assinado o contrato de financiamento, deve ser observado pelo credor e devedor o rito de execução da Lei 9.514/97”, acrescenta Lúcio